Deixe-me fazer uma afirmação atrevida, mas, penso eu, defensiva: devemos abordar as Escrituras com a mesma reverência com que abordaríamos Cristo.
Eu sei o que alguns vão dizer. “Você está fazendo da Bíblia o quarto integrante da Trindade”. Ou “Nós adoramos a Palavra de Deus, Cristo, não a Palavra de Deus, a Bíblia”. Ou “Lá vão vocês de novo, conservadores, deificando a Bíblia”.
Já me deparei com essas objeções várias vezes. E por mais que elas estejam próximas da verdade, quase nunca realmente ajudam. Quase sempre são ditas para evitar a verdade completa a respeito da natureza da revelação especial de Deus. O fato é que somos muito rápidos para exagerar a distinção entre a palavra escrita de Deus e a palavra encarnada de Deus. O próprio termo “a palavra” é usado corretamente porque em ambos os casos estamos nos referindo à automanifestação de Deus. Além disso, essas duas noções diferentes são intrinsecamente ligadas. A Bíblia é a palavra de Deus escrita que continua a tornar Cristo, a palavra de Deus encarnada, “disponível e conhecível” para nós.
Considere esses textos:
Atos dos Apóstolos começa com “Em meu livro anterior, Teófilo, escrevi a respeito de tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar”. O Evangelho de Lucas descreveu o que Jesus começou a fazer e ensinar. Conseqüentemente, o segundo volume de Lucas descreve o que Jesus continua a fazer e ensinar. Em outras palavras, o que os Apóstolos ensinam é o que Jesus ensina.
Em João 16.12-15, Jesus diz “Tenho ainda muito que lhes dizer, mas vocês não o podem suportar agora. Mas quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a verdade. Não falará de si mesmo; falará apenas o que ouvir, e lhes anunciará o que está por vir. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês. Tudo o que pertence ao Pai é meu. Por isso eu disse que o Espírito receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês”. Todas essas coisas as quais Jesus se refere não são seu emprego ou potencial esposa, mas todas as coisas sobre Sua pessoa e obra. E a promessa não é para o Tom, o Richard ou o Harry, mas para os discípulos. Assim, não á nenhuma razão para posicionar as epístolas contra os evangelhos, letras em vermelho contra as letras em preto, Paulo contra Jesus. Os inspirados Apóstolos (e seus companheiros) estavam apenas relatando o que ouviram do Espírito, que manifesta apenas o que recebeu de Jesus Cristo.
Em Mateus 10, Jesus relaciona a rejeição às palavras dos discípulos com a rejeição a Ele (14-15, 40).
Em João 15, Jesus iguala a permanência de suas palavras em nós com a própria permanência dele em nós (4-5, 7-8). Ter as palavras de Jesus vivas em nós é ter Jesus vivendo em nós.
Da mesma forma, em Êxodo 19, vemos que o relacionamento de Israel com Deus seria determinado pelo relacionamento com a palavra (v. 5 – “Agora, se me obedecerem fielmente e guardarem a minha aliança, vocês serão o meu tesouro pessoal dentre todas as nações.”)
E para dar um último exemplo, em Êxodo 33, Moisés pede que o Senhor lhe mostre sua Glória. O Senhor responde com palavras. Primeiro declara sua soberania (v. 19 – “Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia”). Então proclama seu nome e caráter (34.5-7 – “Senhor, Senhor, Deus compassivo e misericordioso, paciente…”).
Em todas essas passagens podemos ver que devemos abordar as palavras de Deus da mesma forma que nos aproximamos dele. Deus não apenas se comunica através de sua palavra; ele está presente em sua palavra. O discurso de Deus não apenas o descreve; é a instanciação de Deus. Deus está onde sua palavra está. Como Timothy Ward coloca, “Deus se manifestou em palavras, ou podemos dizer que Deus se identificou tanto através de suas palavras que qualquer coisa que se fizer às palavras de Deus (seja obedecer ou desobedecer), é feito diretamente ao próprio Deus”.
Traduzido por Filipe Schulz | iPródigo