Talvez você tenha notado um fenômeno curioso nas calçadas, cafeterias e (talvez) nos bancos das igrejas da sua cidade: homens de bigode usando calças jeans apertadas, camisetas envelhecidas, cardigãs meio roídos por traças de tão antigos e chapéus de vovô. Mulheres com os cabelos retos, óculos de armação grossa, suéteres natalinos horríveis e saias da classe trabalhadora dos anos 50. Grupos inteiros vestindo jeans tão apertados que faria um mágico se perguntar como é possível passar os tornozelos para serem vestidos. Eles andam pela cidade de bicicletas sem marcha, bebendo cerveja artesanal belga, fumando cigarros clássicos e tirando fotos em máquinas Holga, Polaroid ou outra marca antiga qualquer.
Sim, esse é um artigo sobre hipsters.
Os hipsters são um fenômeno cultural que já vem de alguns anos. Sua influência tem sido amplamente vista na cultura americana, sendo assunto constante de piadas no Saturday Night Live e outros programas famosos de comédia. Em maior ou menor grau, sãos os hippies, punks e grunges da nossa geração.
Mas onde os hippies e grunges foram marcantes por levantarem um clamor irado contra o verniz brilhante do glamour, prosperidade e presunção da geração anterior, o hipster faz um barulho muito diferente – o entortar de sobrancelhas do cinismo. Seu valor mais central é a ironia, e a estética que eles abraçam – sua postura para com a cultura ao seu redor – é definida por um senso de superioridade cínica.
Uma coluna recente no jornal The New York Times observou o movimento dos hipsters, chamando-os de “arquétipo da vida irônica”. No artigo, Christy Wampole argumenta que esse senso de ironia surge de um desejo de “se esconder em público”, tem suas raízes na ideia de que a nossa geração não tem nada para oferecer. Ao invés de arriscarem alguma ação (e se exporem ao risco do ridículo), nos acomodamos em um estado passivo de julgamento. Assim, o hipster se torna o que há de mais descolado e legal. A maioria das paródias com eles mostra que os hipsters tendem a serem seletivamente obcecados pelo que há de melhor – comida gourmet, café gourmet, discos de vinil, bandas que você nunca ouviu, e por aí vai.
Espírito inabalável
Aquele que faz piada com o hipster apenas afirma a tão desejada superioridade por ele. Quando você zomba dos bigodes, das camisas de flanela xadrez e das bicicletas antigas, você se revela como um desinformado – você não está por dentro da piada. Pois para o hipster, é central a ideia de que a moda, a estética e a sinceridade são, elas mesmas, uma piada.
(O que me lembra: quantos hipsters são necessários para trocar uma lâmpada? Ah… Você não sabe, né? Isso nem me surpreende. É um número bem exclusivo, quase desconhecido, sobre o qual você certamente nunca ouviu falar.)
Não há nada de novo debaixo do Sol. Há vinte anos, David Foster Wallace enxergou um senso irônico similar florescendo e disparou alarmes familiares. Para Wallace, a fonte era a televisão, que treinava pessoas para serem espectadores, premiando seu cinismo com a sensação de que estavam “por cima”, ao passivamente assistirem a TV. Wallace argumentava que todos assistindo TV se sentiam um pouco culpados. Assim, os roteiristas e publicitários começaram a usar a ironia autoconsciente, zombando da televisão e das propagandas, para fazer os espectadores se sentirem como se estivessem acima do espectador comum, passivo. A TV treinava espectadores para serem observadores cínicos, o que fazia com que se sentissem melhores que os outros espectadores, e isso os mantinha assistindo a TV. Veja a conexão com o ethos hipster na descrição de Wallace:
De fato, a pose apática e entediada – que um amigo chama de “olhar de garota que está dançando com você mas obviamente queria estar dançando com outra pessoa” – que se tornou a versão, da minha geração, do que é ser “legal”, está completamente ligada à TV. A televisão (…) nos treina a nos relacionarmos com as coisas pessoais e íntimas da vida da mesma forma com que nos relacionamos com o que é distante e exótico, como se estivessem separadas de nós pela física e pela tela, existindo apenas como uma performance, aguardando nossa avaliação bacana. (…) Perseguidos durante boa parte das horas do nosso dia por nada além de nossa atenção, passamos a considerar essa atenção que dispomos como sendo nossa matéria prima, nosso capital social, e relutamos em desperdiçá-la. Da mesma forma, (…) indiferença, apatia e cinismo no comportamento de alguém são formas claras de transmitir a atitude televisual de superioridade transcendente – apatia e indiferença transcendem o sentimentalismo e o cinismo anuncia que se sabe o resultado antes do fim, que já não se é ingênuo sobre algo talvez desde os quatro anos de idade. — David Foster Wallace, A Supposedly Fun Thing I’ll Never Do Again: Essays and Arguments
Hoje, nossa atenção não é cobiçada apenas pela TV. Os argumentos de Wallace parecem quase antiquados se comparados ao assalto direto sobre nossa atenção que vem da TV, dos smartphones e das mídias sociais. Vivemos na vitrine do Facebook, Twiitter, Instagram e muito mais.
Assim como a figura apática e entediada de Wallace, o hipster de hoje é indiferente e apático, desconectado do mundo como um crítico perpétuo. Eles consumem a mídia ao seu redor tendo absorvido o ethos cultural irônico – crendo que a única posição correta para se estar é acima da média, além da afeição, cuja única emoção sincera é o desdém.
Isso pode parecer só mais um fenômeno cultural meteórico, fulgaz e desimportante, mas se você é como eu, você vê hipsters todo Domingo e por todos os dias da semana nas vizinhanças em que você mora. Não só isso, mas Wampole argumenta que o hipster é só a versão extrema de uma atitude generalizada de ironia e cinismo que permeia toda nossa cultura. Como nós cristãos devemos pensar sobre esse estranho fenômeno?
Não confunda o genérico com o específico
É importante lembrar que muitas pessoas adotam maneirismos estilísticos sem necessariamente abraçar a (ou serem abraçadas pela) filosofia subjacente. Em outras palavras, nem todo hipster é um Hipster. Nem todo rapaz de bigode e calça jeans skinny é cinco e defensivo. Algumas das pessoas mais bondosas, generosas e sinceras da minha igreja aparentam – à primeira vista – serem parte desse fenômeno cultural. Mas elas conhecem Jesus, e ele as transformou em peculiares e bigodudos amantes de Deus e dos outros, e eu dou graças a Jesus por eles.
Cultivando uma admiração sincera
A melhor resposta a uma cultura de cínicos e céticos é a sinceridade. Enquanto cínicos zombam qualquer coisa que não satisfaça seus altos padrões, cristãos olham para o mundo e se lembram que tudo foi misteriosa e maravilhosamente criado por Deus. Mesmo as obras da humanidade, por meio da imagem de Deus que carregamos, refletem a criatividade de Deus.
A participação do cristão na cultura deve ser generosa e sincera. Nós adoramos um Deus que fez o mundo e o fez muito bom. Nosso Deus não é um cínico; ele se deleita em sua criação (Gênesis 1) e nos convida a partilharmos dessa alegria (Salmo 16.11).
Aproveitar as simples coisas boas do mundo ao nosso redor – boa comida, boas conversas e um bom lazer – pode ser transformador. Com isso eu quero dizer “apenas bom”. A vida não precisa estar cheia do melhor de tudo o tempo todo, e “apenas bom” certamente pode ser bom o suficiente. Especialmente se baixarmos nossas expectativas grandiosas e simplesmente nos determinarmos a aproveitar o que Deus coloca em nosso caminho.
Aqui eu novamente penso sobre as redes sociais. A mídia social compele seus usuários a projetarem versões idealizadas de si mesmos. Uma foto de uma refeição pode trazer a legenda “#MELHOR ravióli caseiro DE TODOS OS TEMPOS!!!!!!!” sendo que a massa está grudenta, o molho, sem graça, e o casal que está jantando briga o tempo todo durante a refeição. A natureza das redes sociais, e sua audiência, nos leva a glamourizarmos o que é corriqueiro, não restando nenhum superlativo para as experiências verdadeiramente grandiosas.
O mundo real é bom. A vida é um dom de Deus. Uma refeição merece gratidão simplesmente por existir – em oposição a não ter refeição nenhuma e a consequência da fome.
De forma similar, nós podemos experimentar a simplicidade quando permitimos a nós mesmos aplaudir e apreciar as experiências dos outros. Nós podemos lutar para desligar nossos padrões de contentamento e julgamento e sermos felizes pelas bênçãos, prazeres e bondade das pessoas ao nosso redor, tanto no mundo real quanto no mundo virtual.
Virtudes diferentes
O Salmo 1 confronta os céticos quando diz:
Bem-aventurado o homem
que não anda no conselho dos ímpios,
não se detém no caminho dos pecadores,
nem se assenta na roda dos escarnecedores;
antes, o seu prazer está na lei do SENHOR,
e na sua lei medita de dia e de noite.
A quarta linha desse Salmo aponta para duas coisas. Primeiro, no contexto do Salmo, vemos que escarnecer (zombar) não é parte de uma vida bem-aventurada. Não é a forma que Deus deseja que o mundo seja. Segundo, o escarnecedor é o único do trio que está sentado – inativo, às margens, escarnecendo de qualquer atitude do mundo.
Esse é um bom retrato do estereótipo do hipster – sentado às margens, julgando todos os que passam pelo caminho. E como Christy Wampole aponta, o hipster é apenas uma versão extrema de um espírito que domina toda a nossa cultura. Somos todos culpados disso, alimentando esse sentimento ao observamos cinicamente o mundo ao nosso redor.
Em outras palavras, há um pouco de hipster em todos nós.
Um triste aspecto da cultura hipster é o auto-criticismo. Enquanto hippies encontram um senso de pertencimento na companhia uns dos outros, os hipsters são céticos a qualquer senso de pertencer. Então lançam mão da sua virtude mais alta: zombaria. Ninguém é capaz de zombar de um hipster como os próprios hipsters.
A raiz do cinismo e da ironia
Eu concordo plenamente com Wampole e Wallace sobre as raízes culturais a curto prazo desse senso de ironia, mas existe uma causa ainda mais profunda. É a causa de toda a divisão na humanidade – o senso inarticulado de alienação que todos sentimos de Deus e de uns com os outros. De formas mais amenas, as pessoas tentam saciar esse sentimento se filiando a clubes e partidos políticos, tribalismo cultural (como os hipsters) e, de formas mais extremas, criando grupos de ódio como a Ku Klux Klan e o partido Nazista.
Mas tudo isso remete a Gênesis – tanto a Torre de Babel, onde Deus confundiu a comunicação e nos dividiu em tribos e línguas, nos alienando uns dos outros, como também o Jardim do Éden, onde o pecado entrou no mundo e nós fomos retirados da presença de Deus. Esse senso duplo de alienação – de uns com os outros e com Deus – nos deixa a procura de um lugar para pertencermos.
Como cristãos, podemos falar de um senso real de pertencimento – um lar verdadeiro – tornado possível por meio de Jesus (Hebreus 3 e 4). Também podemos falar de uma lealdade que transcende as diferenças culturais – incluindo o esnobismo estético (Colossenses 3.11). O evangelho nos reconcilia e, na igreja, não estamos acima ou sobre ninguém por qualquer razão que seja. Em Cristo, somos uma família, e há, ao mesmo tempo, lugar para todos e nenhum espaço para esnobismo cultural ou estético.
Apenas o poder reconciliador do evangelho pode transcender esse senso de alienação, nos religar ao nosso criador, e acabar com a hostilidade – e o cinismo – de uns para com os outros.