Deus sabe comunicar seus argumentos. Nós sabemos disso, mas às vezes o argumento é sutil, mas não menos significativo, no sentido de fazer conhecida a sua vontade para seu povo. Esse é o caso de 2 Reis 5, que foca em um notório comandante militar pagão chamado Naamã, acometido de lepra.
Nessa notável história, aprendemos sobe um homem que tinha tudo que o mundo poderia oferecer, mas não conseguia obter a ajuda que tão desesperadamente necessitava. Naamã era um homem de grandes feitos e grande fama, reconhecido por seu caráter e coragem – mas também por sua lepra. Foi por conta de sua lepra que Naamã estava disposto a abrir mão de tudo que tinha pela esperança de um dia ser curado.
De forma muito interessante, foi à providência de Deus que a vitória de Naamã sobre Israel foi creditada. E também foi a providência de Deus como resultado dos saques militares que causaram uma garotinha hebreia se tornar serva da esposa de Naamã. Foi pela boca dessa pequena escrava hebreia que Naamã ouviu pela primeira vez as boas novas que iriam acabar mudando sua vida. Antes disso acontecer, essa serva precisou abrir seu coração em amor e compaixão para com o próprio líder militar responsável pelo provável assassinato de seus pais (e possivelmente seus irmãos).
O fato de que Deus fez tudo isso poderia facilmente ser assumido em uma leitura superficial do texto. Mas há um outro argumento na estrutura do texto que, juntamente à obra de Deus, comunica uma verdade central sobre o trato de Deus para com o homem. Na literatura bíblica, ênfase e significado muitas vezes são comunicados por meio de estruturas literárias criativas. Escribas não tinham marcadores de texto ou outras formas de aplicar ênfase ou sentido, mas eles tinham outras ferramentas literárias, incluindo uma chamada estrutura quiástica.
Um quiasmo é um padrão ou sequência em um texto que cruza ou inverte uma sequência. Há um arranjo intencional no texto de tal forma que o autor reflete e medita não apenas no que está sendo dito, mas em como está sendo dito. A estrutura quiástica, por exemplo, seria A-B-C-C-B-A, onde as afirmações nas linhas A, B e C sejam pareadas respectivamente. E, como muitas vezes é o caso, o par de Cs central carrega um sentido central dessa porção de texto. A narrativa de Naamã e, mais particularmente, os personagens descritos no desenrolar da narrativa, ilustram um quiasmo.
A história começa com Naamã (A), que, em uma leitura superficial do texto, talvez seja visto como a figura central. Mas depois de Naamã, lemos sobre a garota serva (B), que se torna o catalisador dos eventos que se desenvolvem. Após ela, vem o rei da Síria (C), que escreve uma carta de recomendação ao rei de Israel (C). Como você pode ver, o padrão agora começa se reverter, ou se cruzar. Quando o rei de Israel (C) se mostra incapaz de ajudar Naamã, ele é apresentado a Eliseu, por meio de outro servo (B). E, finalmente, quando a narrativa é concluída, Naamã (A) não é mais leproso, mas sua pele é como a de um bebê, completamente curada, porque ele acreditou na palavra do homem de Deus.
Certamente há algo a ser dito a respeito desses três pares nesse texto. A conversão de Naamã de líder pagão a seguidor de Jeová é poderosa. O testemunho do papel dos servos nos leva a pensar em como os pobres e marginalizados são abençoados com entendimento que os poderosos e ricos não possuem. Mas é o par central sobre os dois reis que chama a minha atenção.
Em um mundo caído onde pecadores estão vivendo em descrença e rebelião ativa contra Deus, a única esperança real que eles tem para essa vida não está disponível a eles senão nas boas novas. Eles são limitados à esperança apenas nessa vida (1 Coríntios 15.19), não tendo nenhuma esperança e distantes de Deus nesse mundo (Efésios 2.12). Assim, o mandato divino é colocado sobre pessoas e instituições incapazes e indignas de carregar tal responsabilidade. Governos são péssimos deuses. Os reis da terra são messias completamente inadequados. Há sabedoria no clamor do rei de Israel quando ele diz a Naamã “Acaso, sou Deus com poder de tirar a vida ou dá-la… ?”.
Ainda assim, é, de fato, uma forte tentação pensar que esperança e mudança podem ser encontradas aparte do evangelho de Jesus Cristo. É chocante que, em meio à incompetência e fracasso dos reis deste mundo, o que provocou Naamã a buscar ajuda (por meio da garota hebreia) e o que persuadiu Naamã a ouvir e obedecer (por meio de seus próprios servos) foram as boas novas recebidas de novo, de novo e de novo.
As boas novas do evangelho nos lembram que temos um rei que não rasgou suas vezes em vergonha e humilhação frustrada. O evangelho nos diz que o Rei Jesus teve sua carne partida sob juízo para que, em sua morte, ele pudesse se tornar maldição e levar sobre si a condenação que nossos pecados requeriam. O evangelho nos diz que, em sua morte, a própria morte foi derrotada, para que daqueles que hão de morrer, todos que vierem ao Rei Jesus saberão que Ele, e somente Ele, pode ressuscitar pecadores – que estão mortos em suas transgressões – e trazê-los de volta à vida.
Assim, se a estrutura quiástica de 2 Reis 5 nos diz algo hoje, é que devemos acreditar nas boas novas do evangelho e colocar nossa esperança completamente na graça de Deus que é nossa em Cristo Jesus. O salmista corretamente declara no Salmo 146.3: “Não confieis em príncipes, nem nos filhos dos homens, em quem não há salvação”. Essa é uma lição de humildade que Naamã aprendeu em sua vida, e é uma lição que continuamos a aprender conforme caminhamos pelas nossas vidas em Cristo, por meio de arrependimento e fé, encontrando o auxílio e esperança apenas no Criador dos céus e da terra (Salmo 121.1-2). É o evangelho que nos faz cantar:
Aleluia! Ó minh’alma, glorifica ao teu SENHOR
Ao SENHOR louvor e glória cantarei em meu viver
Não confieis em principados, nem de homens dependei
Seus projetos cessam todos, quando o espírito lhes sai