Por que o Cristianismo Reformado fornece a melhor base para a fé nos dias de hoje
Nós vivemos em um período de exílio. Pelo menos para aqueles entre nós que defendem as crenças cristãs tradicionais. A estridente retórica do cientificismo tem feito a fé no sobrenatural parecer ridícula. A pílula, o divórcio sem culpabilidade e, agora, o casamento gay tem feito a ética sexual tradicional parecer antiquada na melhor das hipóteses e um discurso de ódio na pior. A esfera pública ocidental já não é um lugar do qual os cristãos sentem que fazem parte com algum grau de conforto.
Para os cristãos nos Estados Unidos, isso é particularmente desorientador. Na Europa, o cristianismo foi empurrado para as margens por vários séculos – a maré da fé recuou “com trêmula e lenta cadência”. Na América, o processo parece estar acontecendo muito mais rápido.
Também está sendo guiado por questões que poucos preveriam que teriam tal força cultural. É certamente uma ironia tão inesperada quanto indesejável que o sexo – aquele ato mais privado e íntimo – tenha se tornado a questão de política pública mais urgente hoje. (Quem poderia ter imaginado que políticas a respeito de contracepção e leis permitindo o casamento homossexual se apresentariam como os desafios mais sérios à liberdade religiosa?). De fato, nós estamos sendo exilados, embora não seja um exílio que nos mova aos limites geográficos. É um exílio à irrelevância cultural.
O evangelicalismo americano e o catolicismo romano começam esse exílio com muita bagagem. O evangelicalismo tem amplamente se unido à visão dos EUA como uma nação cristã de coração, um conceito que remonta aos primeiros colonizadores da Nova Inglaterra. Uma propaganda da Bíblia do Patriota Americano (2009) orgulhosamente gaba-se de “conectar os ensinos da Bíblia, a história dos Estados Unidos e a vida de todo americano” enquanto “belas páginas internas coloridas destacam o povo e os eventos que demonstra as qualidades piedosas que tornaram a América grande”. Todavia, uma nação onde o vocabulário de “escolha” e “liberdade” tem sido assaltado por infanticídio, pela desconstrução do casamento e por uma licença aparentemente ilimitada para publicar pornografia é muito obviamente impiedosa. Essa é uma verdade dura para aqueles que creem que a América pertence a eles por direito.
Para os católicos romanos, os desafios de nosso exílio cultural são diferentes. Roma tem de alguma forma conseguido manter um nível de credibilidade social nos EUA, apesar de defender posições consideradas intoleráveis pelo mundo secular quando defendidas por protestantes. Suas recusas de ordenar mulheres ou sancionar o uso de contraceptivos não parecem ter destruído sua reputação pública. Mas, se, por exemplo, a isenção de impostos for revogada pra organizações sem fim lucrativos de educação e assistência social que se opõem à revolução social crescentemente obrigatória, a Igreja enfrentará uma escolha difícil: capitular ao espírito da era ou sair para a gélida desolação da marginalidade cultural e social. Quando a oposição ao casamento gay passa a ser visto como o equivalente moral da supremacia branca, é questionável se a Igreja Católica Romana será capaz de manter tanto sua posição atual sobre o assunto quanto seu status na sociedade. Provavelmente, também ela será movida para as margens.
Em outros lugares – na França e na Polônia, por exemplo – Roma tem, evidentemente, se mostrado resiliente em circunstâncias muito piores. Mas nos EUA, na história recente, ela não tem experiência real da ignomínia da marginalização de onde retirar forças. A era da ingenuidade passou há muito tempo. Parece-me que muitos católicos hoje estão bastante confortáveis, até possessivos, em relação a sua posição nos Estados Unidos. Eles podem não comprar Bíblias patrióticas, mas a marca institucional do catolicismo é tão grande – e o investimento teológico (e emocional) católico nisso é tão significante – que a tentação de preservar o lugar da igreja na sociedade será muito grande. Essa preservação exigirá compromisso, mesmo cumplicidade, e muito provavelmente obscurecerá a clareza e enfraquecerá a integridade do testemunho cristão.
Talvez eu esteja enganado e tenha retratado meus irmãos cristãos de uma forma que exagera suas fraquezas e minimiza seus pontos fortes. Mas disto estou convencido: o cristianismo reformado está mais bem equipado para ajudar-nos em nosso exílio. Essa fé foi forjada no continente europeu nas vidas e escritos de homens como Ulrich Zwinglio, Martin Bucer e João Calvino. Ela encontrou sua melhor expressão no mundo anglófono nos grandes presbiterianos escoceses e ingleses puritanos do século XVII. Ela possui o rigor intelectual necessário para ensinar e defender a fé num ambiente hostil. Ela tem uma vigorosa tradição em refletir em profundidade sobre a diferença entre o que é essencial e o que, embora bom, é secundário e, portanto, dispensável. Ela tem uma identidade histórica enraizada nos ensinos teológicos mais gerais da Igreja. Ela tem recursos profundos para refletir claramente sobre a relação da igreja e do estado.
Não é surpreendente que o Cristianismo Reformado nos equipe bem para o exílio, pois ele próprio foi forjado em um período de exílio, geralmente por homens que eram literalmente exilados. De fato, o mais famoso teólogo reformado entre eles, João Calvino, era um francês que encontrou fama e influência como pastor fora de sua terra-natal, na cidade de Genebra. Os pais peregrinos da Nova Inglaterra conheciam muito bem as realidades do exílio, e as condições que isso impôs ao povo. O famoso comentário de Winthrop sobre a América ser uma cidade numa colina não era uma declaração de destino messiânico, mas um lembrete aos colonizadores do fato de que suas vidas como exilados deveriam ser vividas sob o brilho de um escrutínio hostil. O exílio exigia que eles tivessem uma identidade clara e piedosa.
A Igreja Reformada tem sua bagagem, mas dada a natureza de sua origem e de seu próprio momento, ela tem a bagagem certa: leve quando precisa ser leve e pesada com o Evangelho quando precisa ser pesada. Um interesse marginal e minoritário na América por mais de um século, ela não enfrenta a perda de influência social e aspirações políticas que agora confrontam o evangelicalismo e o catolicismo romano. Nós não esperamos estar no centro dos assuntos mundiais. Nós não nos imaginamos dirigindo instituições indispensáveis. A falta de um papel importante na esfera pública não provocará uma crise de auto-imagem.
Isso não vem de indiferença ou falta de substância, mas de clareza e foco. Doutrinariamente, a Igreja Reformada afirma as grandes verdades que foram definidas na igreja primitiva, as quais ela acrescenta a doutrina protestante da salvação pela fé somente. Ela cultiva uma simplicidade prática: a vida da igreja gira em torno da pregação da Palavra, da administração dos sacramentos, da oração e do louvor corporativo. Nós não retiramos nossa força primariamente de uma instituição, mas de uma pedagogia simples e prática de adoração: a Bíblia, exposta semana após semana na proclamação da Palavra e ensinada de geração em geração por meio de catecismos e devocionais em torno da mesa de jantar da família.
Alguém pode perguntar: e quanto à liturgia? A Palavra nua, pregada por si mesma, sem a força de uma instituição para apoiá-la, é suficiente para nutrir uma vibrante fé cristã, particularmente em tempos de dificuldade? Não há um elemento de ação corporativa além de simplesmente ouvir a Palavra que seja vital em moldar nosso entendimento de quem somos e do mundo em que vivemos? Toda vez que ligamos a televisão ou vamos para a internet, somos bombardeados com uma miríade de liturgias que exercem um poder arcano de moldar nossas identidades de maneiras que muitas vezes não estamos cientes. Pode um sermão de trinta minutos uma ou duas vezes por semana possivelmente neutralizar essa subversão insidiosa? Não precisamos de lastro para evitar que sejamos empurrados para lá e para cá por todo vento de doutrina secular?
Teólogos reformados entendem esse ponto. James K. A. Smith destaca a natureza litúrgica de tudo na vida e a necessidade da Igreja Reformada ser autoconsciente de sua própria ação litúrgica. David F. Wells destaca a necessidade de uma liturgia inteligente e bem-construída que reflita nossas convicções teológicas. A adoração reformada sempre envolveu mais que pregação mesmo que o sermão seja central. Sua forma litúrgica flui diretamente de nosso compromisso com a Palavra e das fundações católicas da nossa fé. O Evangelho de acordo com a fé reformada é direto: nós estamos mortos em pecado e precisamos ser unidos a Cristo, o Deus-homem, que viveu, morreu e ressurgiu por nós e para nossa salvação. Unidos a eles, nós vemos acima do efêmero deste mundo para a eternidade além.
A adoração reformada coloca a Palavra no centro porque a declaração da verdade do Evangelho é central. Idealmente, essa verdade molda as ações litúrgicas da comunidade reformada. Por exemplo, no culto, o ministro lê o Decálogo e traz palavras de juízo sobre o povo de Deus, lembrando-lhes de sua morte em Adão. Ele os conduz em uma confissão corporativa de pecado e, então, lê palavras da Escritura, apontando para a promessa em Cristo de conforto, perdão e da ressurreição final por vir. Queda, morte, perdão, ressurreição: os elementos básicos da mensagem cristã encontra expressão concisa e precisa na prática litúrgica reformada.
A congregação responde com um hino de louvor a Deus por sua bondade. Aqui, a beleza e a singularidade da fé reformada tornam-se evidentes. A congregação, lembrada de quem é – pecadores que diante de Deus estão condenados por sua impiedade e impureza – recebem a promessa em Cristo que, recebida pela fé, sela perdão sobre seus corações e os motiva a louvar e agradecer.
Esse foco singular – o drama do pecado e redenção interiormente conhecidos – é uma grande bênção em tempos de exílio. Para reter uma identidade em face de uma cultura hostil, é preciso pertencer a uma comunidade vibrante de pessoas que sabem quem eles são. Esse é o padrão neotestamentário de cristianismo. Quando nós ouvimos, em palavras claras e inequívocas, quem somos declarado a nós no sermão a cada semana e quando nós participamos em ação litúrgica materializando essa identidade, nós somos bem preparados para as liturgias e evangelhos hostis do mundo que encontramos de segunda a sábado.
Nós também devemos ter confiança prática em nossa própria identidade e destino como povo cristão. Paulo fundamenta os imperativos da vida cristã, de deveres domésticos a envolvimento social e político, na realidade da nossa vida em Cristo. Há uma robusta confiança no cerne da descrição do Novo Testamento para o que significa ser cristão, e isso era vital para o florescimento cristão no mundo do primeiro século.
É importante entender que a falha da igreja medieval em produzir uma teologia que incutisse essa confiança neotestamentária contribuiu de formas significativas para a Reforma. A ideia de Lutero de liberdade cristã depende de nosso claro conhecimento de nossa identidade em Cristo. As prisões do pecado são destruídas pela segurança da fé na verdade do evangelho. A maneira como a fé nos fornece um lugar para superar e enfrentar o mundanismo foi captado e elaborado por Calvino e outros teólogos reformados. A nota de confiança do Novo Testamento – nós realmente podemos conhecer e entregar-nos ao poder salvador de Cristo – foi cultivado pela pregação e pela liturgia. Isso permitiu que os protestantes sobrevivesse e, então, prosperassem no mundo hostil da Europa do século XVI. Nossa identidade não era mediada por sacerdote ou sacramento. Antes e hoje, ela é alcançada pela fé na Palavra.
De fato, uma confiança robusta de nossa vida em Cristo encontra-se no centro do que significa ser um protestante reformado. A primeira questão de resposta do Catecismo de Heidelberg, uma das grandes declarações da fé reformada, a expressa sucintamente:
Qual é o seu único consolo na vida e na morte? Que não pertenço a mim mesmo, mas pertenço de corpo e alma, tanto na vida quanto na morte, ao meu fiel Salvador Jesus Cristo. Ele pagou completamente todos os meus pecados com o Seu sangue precioso e libertou-me de todo o domínio do diabo. Ele também me guarda de tal maneira que sem a vontade do meu Pai celeste nem um fio de cabelo pode cair da minha cabeça; na verdade, todas as coisas cooperam para a minha salvação. Por isso, pelo Seu Espírito Santo, Ele também me assegura a vida eterna e faz-me disposto e pronto de coração para viver para Ele de agora em diante.
Essa confiança robusta nos servirá bem em um tempo em que a indiferença ou hostilidade do mundo nos pressiona e encoraja crises de autoconfiança. Nós sabemos quem somos. Nós pertencemos a Cristo.
Intimamente ligado à segurança do crente está uma das principais ênfases teológicas da fé reformada: providência. Muitos veem as doutrinas reformadas da predestinação e providência como preocupações frias e duras de pessoas patologicamente desequilibradas. Na verdade, elas têm um pedigree profundamente católico e um propósito intensamente pastoral.
As doutrinas da predestinação e da providência não eram inovações da Reforma, mas têm uma história que remonta da Idade Média até a igreja primitiva. Ame-o ou odeio-o, Agostinho muniu o Ocidente com sua interpretação básica de Paulo sobre graça e salvação, e sua influência no Catolicismo Romano e no Protestantismo permanece poderosa. É possível argumentar que a própria Reforma foi um debate sobre a interpretação e aplicação da teologia agostiniana da graça a reflxões sobre a natureza da Igreja. Mesmo que eles tenham se baseado em Agostinho e seus seguidores medievais, os pregadores e professores reformados descobriram a utilidade das doutrinas da predestinação e da providência para fortalecer crentes em tempos de dificuldade.
Para aqueles em exílio físico, para aqueles que sofriam por sua fé, para aqueles desprezados e marginalizados pelo mundo ao seu redor, a ciência de que a história está sob o controle de Deus provê encorajamento. Não importa quão fraca a Igreja pareça estar, quantos reveses ela enfrenta, o fim da história já está determinado em Cristo. Saber disso permite que os crentes provem aqui e agora parte dos deleites do fim dos tempos. De fato, combinado com o rico ensino do Novo Testamento sobre a ressurreição e o fato de que a morte não é a palavra final para aqueles que vivem em Cristo pela fé, uma forte doutrina da providência é não somente um meio de construir a conexão metafísica entre Deus e sua criação, mas também uma fonte de força, conforto, segurança e esperança pessoal para os cristãos reformados.
Novamente, há um aspecto litúrgico nisso. A providência frequentemente leva os cristãos a lugares sombrios, pessoal e corporativamente, mas mesmo quando sabemos que essas provações temporais culminarão em morte, nós sabemos que na ressurreição a luz triunfa sobre trevas, a vida sobre a morte. É por isso que o Saltério tem sido tão central na adoração reformada. As muitas notas de lamento, de esperança por descanso futuro e de desconforto presente e desilusão com o status quo nos Salmos reforçam na mente dos reformados que nossa cidadania, em última análise, não é deste mundo. Isso fornece horizontes realistas de expectativa para esse mundo – e para o próximo. Isso nos dá um vocabulário com o qual louvar a Deus em meio às contradições da vida vivida sob os fardos da Queda. Isso nos lembra que, sejam quais forem as coisas boas que esse mundo tem para oferecer, elas somente podem ter valor passageiro. E, quando o sofrimento vem, nós reconhecemos e choramos por sua realidade, mas o consideramos como nada se comparado ao peso de eterna glória que se seguirá. Toda vez que nos reunimos para adorar como igreja ou em torno da Bíblia da família, essas mesmas canções de Davi que cantamos falam de exílio – e de esperança pela pátria melhor que buscamos.
Esse reconhecimento de exílio e da esperança que encontramos nos Salmos permeiam a adoração e a teologia reformada histórica de uma forma que não é tão óbvia em outras tradições cristãs, mesmo protestantes. Por exemplo, a adoração da igreja evangélica nas últimas décadas tem sido marcada pelo que se pode chamar de uma estética de poder e triunfo. O espaço das bandas de louvor nas igrejas geralmente parecem mais salas de concerto que locais tradicionais de adoração. Solos e acordes de guitarra dão o tom musical. As músicas falam de destruir as fortalezas do inimigo. Obviamente, o cristianismo aponta para o triunfo, mas é o triunfo da ressurreição, e ressurreição pressupõe sofrimento e morte prévios. Uma ênfase no triunfo, geralmente excluindo o lamento, não preparará o povo para a vida deste lado da glória da ressurreição. Não nos preparará para uma vida de exílio. Eu temo que estejamos lançando os fundamentos da desilusão e do desespero.
O cristianismo precisa ser realista em sua teologia e sua liturgia. Com a posição central que isso dá ao cântico do Saltério, a tradição reformada ministra aos corações e mentes dos cristãos culturalmente exilados. As transições pelas quais vivemos são confusas e, às vezes, dolorosas. Os Salmos nos oferecem um meio de expressar essa confusão e dor em nosso louvor a Deus, e nenhuma tradição tem centralizado seu uso corporativo em sua adoração quanto a reformada.
O argumento até agora tem sido que a adoração reformada pode sustentar o crente em um período de provação. Ainda assim, no passado, a fé reformada tem sido uma força dinâmica na esfera pública. A teologia reformada contribuiu para o surgimento da teoria da rebelião justa, teve seu papel na Guerra Civil inglesa, inspirou os Aliancistas escoceses e deu a John Winthrop a visão para construir uma cidade na colina do Novo Mundo. A fé reformada resiste a ser reduzida a um tipo de pietismo privado. Pelo contrário, frequentemente tem se mostrado uma força social, mesmo em situações de marginalidade e exílio.
Pegue João Calvino como um exemplo. Sua imagem popular é aquela de um aiatolá reformado implacável que governou Genebra com mão firme e fria enquanto impunha um reino de terror sobre um povo ignorante. Ele parece quase uma figura revolucionária, um tipo de Robespierre da Reforma. É verdade que ele gastou muito de sua vida adulta em Genebra e foi muito influente na cidade. Mas ele era um estrangeiro, um francês, nem mesmo um cidadão de Genebra por grande parte de seu tempo. Ele nunca foi poderoso o bastante para persuadir os magistrados a permitir que ele celebrasse a comunhão semanalmente. Em resumo, Calvino era um exilado e ele escreveu sua teologia a partir da perspectiva de um exilado. Mas isso não o impediu de falar vigorosamente ao mundo onde ele se encontrava. De fato, a concentração condensada da piedade reformada lhe deu não apenas uma identidade estável no exílio, mas também firmeza de propósito, permitindo-lhe resistir com confiança contra mundum, contra o mundo.
O mundo de hoje está se tornando um lugar mais frio e mais difícil. Ainda assim, nós temos responsabilidades civis em andamento. Moldados pela nossa fé, nós também podemos falar àqueles que detêm o poder. Nós devemos lembrá-los de suas responsabilidades de proteger o inocente e punir o perverso. Nós devemos lembrá-los do fato de que eles, os magistrados, por fim responderão a uma autoridade maior. É essa consciência de responsabilidade cívica – e de um firme lugar para resistir em Cristo – que molda as Institutas de Calvino e tem servido para fazer do Cristianismo Reformado essa força tão poderosa de mudança na história, dos Puritanos a Abraham Kuyper. Certamente houveram excessos na história do envolvimento da Igreja Reformada com a esfera cívica, mas a teologia reforma em sua melhor forma não é um toque de clarim para uma guerra religiosa ou um estado teocrático. Pelo contrário, é um chamado a cidadania responsável e piedosa.
Aqui, os reformados tem um grande terreno em comum com os católicos romanos. Como David VanDrunen tem mostrado, ambos afirmam a lei natural, uma base melhor para o pensamento social que as construções mitológicas da Bíblia do Patriota ou o senso beligerante de identidade nacional da direita religiosa de tempos passados. Ainda assim, há diferenças entre os reformados e Roma. Calvino não é Aquino e a fé reformada não é o catolicismo romano. Onde Tomás via o pecado como exacerbando as limitações da natureza em um mundo caído, Calvino via o pecado trazendo uma escuridão ética decisiva para o mundo.
Essa diferença é importante e dá a teologia reformada um entendimento mais realista da vida cristã na esfera pública e, portanto, dos limites do que nós podemos esperamos alcançar. As pessoas chamam o mal de bem e o bem de mal primariamente porque elas estão confusas ou não pensam claramente. Eles fazem isso porque estão em uma rebelião fundamental contra Deus. Isso soa um pouco paradoxical: os reformados usam a lei natural para o envolvimento público mas esperam pouco ou nenhum sucesso. Nós remos que o mundo foi criado com uma estrutura moral particular. Todavia, nós também cremos que a humanidade caída tem uma antipatia fundamental em relação a reconhecer qualquer forma de autoridade externa que ameace nossa própria autonomia suprema. Isso injeta um irracionalismo básico e uma paixão emocional em debates morais. Essa distorção da consciência e da razão explica a aparente impotência de argumentos que, de outro modo, seriam convincentes. E isso certamente reflete nossa experiência real como cristãos em exílio na sociedade do século XXI.
Hoje, as pessoas descrevem o que outrora era uma reflexão moral bastante comum sobre sexo e casamento como “crime de ódio”.Neos precisamos de evidência mais firme de que debates sobre o casamento homossexual, assim como sobre o aborto e outros, não são reduzíveis à discussão racional? E a teologia reformada sabe o porquê. Os seres humanos neste mundo caído consistentemente recusam-se a reconhecer o óbvio: que eles são criaturas de Deus e, portanto, respondem a ele. E, assim, nossas convicções morais desafiam a crença mais básica do mundo moderno, a saber, que o indivíduo é a medida autônoma de todas as coisas e não presta contas a ninguém. A teologia reformada entende esse fato sombrio sobre nossa humanidade caída. Nós não subestimamos a crueldade da oposição. Nós esperamos exílio cultural. Isso realmente confirma nossas mais profundas convicções sobre como o mundo é.
Quando visitei os EUA pela primeira vez, em 1996, lembro-me de estar no culto de uma igreja onde o pregador declarava que a tragédia da cidade em que eu vivia era que somente uma pessoa em duas estaria adorando naquela manhã. O que era uma tragédia então pareceria o terceiro Grande Avivamento hoje. O cristianismo está se movendo para as margens da vida, e os cristãos estão rumando para o exílio cultural. A questão é: Como nós sobreviveremos? A resposta é: como Paulo fez no século I. Antes de tudo, nós precisamos da simples proclamação da Palavra de Deus na igreja semana a semana, lembrando-nos de nossa identidade em Cristo. Neos precisamos de liturgias e adoração saturadas com essa Palavra. Nós precisamos de envolvimento com o mundo que seja consistente com a identidade formada em nós por meio de uma fé clara e confidente naquela Palavra. Em resumo, nós sobreviveremos – na verdade, nós prosperaremos – por meio de um compromisso vibrante a exatamente aquilo que a fé reformada histórica tem enfatizado.