Cristo, Nosso Sacerdote

Josaías Jr.

“Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, exaltado acima dos céus” (Hebreus 7.26)

“É de um sumo sacerdote como este que precisávamos: santo, inculpável, puro, separado dos pecadores, exaltado acima dos céus.” (Hebreus 7.26, NVI)

Hebreus para muitos é um mistério. Primeiramente porque não podemos dizer com certeza quem a escreveu, de forma que numa roda de estudantes da Bíblia, uma hora ou outra, alguém iniciará um debate sobre a autoria desta carta (e isso depois de uma longa discussão sobre o que é o livro – carta, sermão, discurso ou o quê?). Ninguém pode ter certeza quanto à autoria, embora alguns apostem todas as suas fichas no Apóstolo Paulo ou em um de seus colegas, como Lucas ou Barnabé¹.

Em segundo lugar, o livro é considerado um dos mais difíceis da Bíblia. O curioso é que, em determinado momento, o autor fala aos seus leitores que não está tratando de assuntos muitos difíceis, porque eles haviam se tornado “tardios em ouvir” (Hb 5.11). Isto é, Hebreus foi direcionado para pessoas simples, que não eram “mestres” (5.12). Isso revela a ignorância da igreja evangélica atual. Talvez seja pela falta de mestres em nosso meio que tantos líderes estejam aderindo às “práticas antiquadas e envelhecidas, e prestes a desaparecer” (9.13) da Antiga Aliança. Instituições mosaicas, como o voto de nazireado e as festas judaicas, retornam com força total nas igrejas, demonstrando que muitos cristãos professos não leram (ou pelo menos não entenderam) este livro.

Sabemos disso porque a mensagem de Hebreus é bastante clara quanto à superioridade de Cristo frente a todos os preceitos e práticas mosaicas. Podemos inferir, com base nas constantes exortações sobre o abandono da fé, que o livro foi direcionado para mostrar a judeus convertidos o absurdo que é sequer cogitar a idéia do retorno ao judaísmo. Por toda a carta (ou sermão), o autor nos mostra como o Senhor Jesus cumpriu e aperfeiçoou todas as instituições da Antiga Aliança. Assim, neste texto ele quer nos provar que Cristo é maior também como sacerdote. No versículo acima, é como se o autor dissesse “é justamente de um sacerdote assim que estávamos precisando!”. E ele faz isso nos apresentando cinco características do sacerdócio de Jesus que superam o sacerdócio levítico.

1.Santo

Os outros sacerdotes eram santos, e até deveriam carregar em suas cabeças os dizeres “Santidade ao Senhor” (Êx 28.36), porém não eram santos em si mesmos. Nenhum deles pôde, com suas próprias forças, tornar-se santo. Todos foram santificados por Deus e continuavam dependendo da graça de Yahweh para continuar neste estado de santidade.

Jesus não apenas é o Santo, mas também é a fonte de santificação dos crentes. Os antigos sacerdotes intercediam pelo povo, faziam sacrifícios para perdão dos pecados, e poderiam até conter a pecaminosidade dos israelitas por meio de punições e restrições. No entanto, eram incapazes de tornar o povo cada vez mais parecido com Deus. Eles não tinha o poder de aperfeiçoar os crentes. Por outro lado, na Cruz o Salvador garantiu a santificação de seus eleitos (Ef 5.26), tornando-se ele mesmo santificação (1Co 1.30) e enviando o Espírito Santo ao seu povo (At 2.33).

Sendo Santo, ele é o único que pode achegar-se ao Pai sem medo de ser consumido. O. Palmer Roberston nos diz que Cristo, “na presença do Deus triplamente santo, não recua de vergonha como o profeta Isaías”. Jesus compartilha da santidade divina e estará sempre intercedendo por nós na presença de Deus, ao contrário dos antigos mediadores. Não há necessidade de recorrer a outra pessoa além do Santo de Deus. Na verdade, é até tolice. O autor de Hebreus sabia disso e insistiu para que seus ouvintes não se afastassem do Sumo Sacerdote em troca de um sacerdote humano e pecador.

Hoje em dia podemos não cair nessa tentação de ir atrás de um sacerdote da Antiga Aliança. Mas quantas vezes não nos tornamos dependentes de homens para seguir nossa jornada cristã? Podemos dar o cargo de Sumo Sacerdote para um pastor, um líder, um intercessor, uma “mulher de oração” ou mesmo um professor. Estas pessoas muitas vezes podem ser verdadeiros santos, homens e mulheres que se dedicam completamente a Deus, mas não são separados como o Senhor Jesus. Por mais piedosos que sejam, precisam também de um Sacerdote como nós, e no fim das contas, temos de reconhecer que é apenas no Santo que encontramos conforto e proteção.

 “Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hb 7.25)

 2. Inocente

Jesus está livre de qualquer condenação por seus próprios atos. Por este motivo a NVI traduz a palavra como “inculpável”. Ao apresentar-se diante do Justo Juiz, Cristo não tem necessidade de temer alguma punição da parte de Deus.

Isto não é verdade quando lidamos com os sacerdotes da Antiga Aliança. Aqueles homens eram culpados de seus pecados, e deveriam receber o castigo merecido, se não fosse a graça do Senhor sobre a vida deles. Os antigos sacerdotes, antes de realizarem sacrifícios em favor do povo, precisavam realizar sacrifícios em favor deles mesmos. Era necessário que um cordeiro levasse a punição que aqueles homens, por mais santos que fossem, mereciam.

Cristo realmente recebeu uma punição divina, mas não foi pelos atos que praticou. Ele recebeu o castigo daqueles por quem morreu, foi contado como criminoso e recebeu o salário do pecado, mas em si mesmo era inocente. No entanto, após carregar esta sentença de condenação, ele ressurgiu dos mortos, e foi designado como Juiz. Jesus, como já dissemos, está sempre na presença de Deus. E, ao invés de assentar-se no banco de réus, ele ocupa uma posição de autoridade neste tribunal (At 17.31). Cristo é o sacerdote que nos é conveniente porque não apenas é inculpável, mas também porque livrou aqueles que são seus do castigo.

3. Imaculado

A palavra grega para imaculado é amiantos. Essa palavra foi usada para batizar uma fibra mineral muito utilizada para reforçar e proteger equipamentos e máquinas. O amianto recebeu esse nome justamente por sua incorruptibilidade e resistência às mais diversas condições. Uma outra tradução para a palavra é “puro” (como a NVI o faz). Jesus, ao contrário dos outros sacerdotes, não se corrompeu em sua vida terrena, resistiu a todas as influências externas que o desviassem de sua missão, e agora oferece proteção completa para sua Igreja.

Nenhum sacerdote da Antiga Aliança poderia ser tão conveniente a nós. Eles eram pecadores por natureza, isto é, a corrupção já estava dentro deles. A qualquer momento poderiam ficar impedidos de ministrar. Eles também não poderiam comer ou tocar nada impuro, ou estariam contaminados. Jesus, pelo contrário, conversou com pessoas “maculadas”, mas não sofreu qualquer corrupção. Nosso Senhor tocou em leprosos, mas ao invés de ser contaminado por eles, os doentes é que foram limpos. Pedro entendeu bem esta verdade quando Deus disse que poderia purificar qualquer alimento, mesmo que antes fossem considerados impuros (At 10.15,28). Os sacerdotes antigos podiam apenas proibir as pessoas de se contaminarem, enquanto Jesus purifica aquilo (ou aquele) que é impuro. Não há dúvida de que o sacerdócio de Cristo é infinitamente superior ao levítico.

O Salmo 24 faz uma pergunta que deveria sempre estar em nossas mentes – “Quem subirá ao monte do SENHOR, ou quem estará no seu lugar santo?” (v.3). Embora Davi tenha em mente um rei, não podemos negar que há um elemento de sacerdote nesta pergunta. A referência ao Lugar Santo evoca a idéia do Rei-Sacerdote, uma função que o próprio Davi assumiu algumas vezes (1Sm 6). No entanto, o salmista sabia que, apesar da graça de Deus sobre sua vida, ele não era digno de subir ao monte do Senhor, e por isso levanta a questão. Sua resposta encaixa-se perfeitamente em Jesus – “Aquele que é limpo de mãos e puro de coração” (v.4). Embora muitos interpretem esse verso como um chamado à santidade, está claro que Davi fala de alguém específico, uma pessoa que seria o Messias vindouro, aqui chamado de Rei da Glória. Somente ele é digno de subir ao monte e permanecer no lugar santo.

E nós, como subiremos? Com Nosso Sacerdote, Jesus Cristo! Ele é nosso representante diante de Deus. Ao assumir uma posição mediadora entre Deus e os homens, o Redentor assume a responsabilidade por aqueles que o seguem, pois torna-se um com eles e eles tornam-se um com Cristo, por meio da fé. Aquele que está em Cristo, entrará com Cristo no Monte do Senhor, pois Cristo é digno de subir até lá. Como um Rei entra em seu palácio seguido de seus exércitos, nós chegaremos ao lugar santo com Jesus. E não porque somos puros, mas porque Ele é puro e nos purifica de toda mácula.

“Todo aquele que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, assim como ele é puro” (1 Jo 3.3)

“…havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas alturas.” (Hebreus 1.3)

4. Separado dos pecadores

Um dos temas que o autor de Hebreus mais enfatiza durante todo o seu texto é a humanidade de Cristo. Para ele, seria impossível que o Senhor realizasse sua obra se não fosse 100% homem, pois é através da identificação de Jesus com seus irmãos que ele pode interceder por eles e exercer seu papel de mediador entre Deus e os homens. “Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo” (Hb 2.17). Era necessário, portanto, que Jesus fosse homem.

Alguns não aceitam bem a plena humanidade de Jesus por temerem que isso o torne alguém com a natureza caída de Adão, isto é, que ele se “inclinasse para as coisas da carne” (Rm 8.5). Outros já temem que a missão de Cristo tenha se tornado “muito fácil” pois ele era Deus e, portanto, completamente puro. O autor de Hebreus nos dá uma resposta equilibrada, pois em nenhum momento nega a humanidade de Cristo (“em tudo semelhante aos irmãos”), mas não ignora as tentações e dificuldades que o homem Jesus de Nazaré suportou aqui na terra. Em Hb 4.15 ele nos diz que “não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado.”

A diferença entre Jesus e os outros sacerdotes é esta – enquanto os antigos levitas cairam várias vezes em tentações, e até levavam o povo a cair (vide o caso de Arão e o bezerro de ouro), Jesus sofreu tentações como nós sofremos, mas foi sempre obediente. Precisamos nos lembrar que a justiça de Cristo, que nos é imputada por Deus (Rm 4) é fruto destes 30 anos de pura obediência mesmo diante das mais fortes provações – sejam aquelas de Satanás, seja a sugestão do povo para que ele assumisse o posto de Rei, o conselho de Pedro para que ele não pensasse nos sofrimentos e, quem sabe, situações que não conheçamos. As decisões de Jesus frente às opções que lhes eram apresentadas foram decisões verdadeiras, de um homem verdadeiro usando sua vontade.

É claro, Jesus não herdou a natureza corrupta de Adão, de forma que suas tentações eram sempre externas, e nunca provenientes de seu coração. Cristo não era como nós, que nem mesmo precisamos de um tentador externo para já sair pecando. Mas ainda assim é inegável que a Bíblia considera como duras provas o que Jesus sofreu na terra. Porém, ao contrário de Adão, e de nós mesmos, ele foi vitorioso e por isso mostrou-se separado dos pecadores neste sentido. Ele é semelhante a nós, é tão homem quanto eu e você, e por este motivo pôde realizar o sacrifício que tira nosso pecado e nossa culpa. E por isso também hoje ele pode nos entender em todas as nossas fraquezas, tornando-se mais confiável e conveniente que qualquer outro sacerdote.

5. Exaltado acima dos céus

A maneira como a palavra “exaltado” é usada o original passa a idéia de algo definitivo. Isto é, ele foi exaltado acima dos céus de uma vez por todas, num evento único, de caráter definitivo. Cristo recebeu “toda a autoridade” (Mt 28.18) e um “nome acima de todos os nomes” (Fp 2.9). Além de exercer sua função sacerdotal, após a ressurreição ele recebeu o cargo de Soberano, de Senhor. Esta é uma das idéias mais fortes e mais repetidas no Novo Testamento.

O contraste entre Cristo e os antigos sacerdotes encontra-se no fato de que ele morreu, porém ressuscitou. Os mediadores da Antiga Aliança estavam destinados a morrer e voltarem ao pó. A diferença é grande – Cristo foi elevado ao lugar de onde veio, eles voltaram para o chão de onde saíram. E como homens finitos, eles deveriam ser substituídos por seus filhos e parentes. Cada geração tinha um sumo sacerdote diferente. Jesus, por outro lado, é sacerdote eternamente, trabalhando incansavelmente pelos seus.

Este verso também é um cumprimento do Salmo 110. Neste texto messiânico, Davi nos fala de um rei guerreiro que assume o sacerdócio. O Messias é exaltado à direita de Deus, aguardando sua vitória final, e recebe no v.4 a seguinte declaração de Deus – “Jurou o SENHOR, e não se arrependerá: tu és um sacerdote eterno”. Hoje vivemos no período descrito por este salmo. O Messias já está assentado à direita de Deus, mas ainda aguarda que todos os inimigos sejam vencidos em definitivo. Cristo já é sacerdote eterno, mas o dia da ira ainda não veio. No entanto, podemos ter certeza de que virá. Da mesma forma que já vemos um cumprimento parcial de muitas das promessas que Davi profetiza aqui, podemos ver pela fé a consumação final desta profecia.

Conclusão

É inegável a superioridade de Cristo frente a todas as instituições e personagens da Antiga Aliança. O autor de Hebreus tem muito a falar sobre isso, e vimos em apenas um verso quanta diferença há entre o Filho e os antigos mediadores. Aqui está um pequeno resumo do que ele nos trouxe nesse pequeno trecho:

  1. Cristo é santo em si mesmo e a origem da santidade; os antigos sacerdotes são falhos e precisam ser santificados por Deus;
  2. Cristo é inocente de qualquer acusação; eles são culpados e precisam sempre fazer expiação pelos seus próprios pecados;
  3. Cristo é puro e não se deixa contaminar por nada; eles estão passíveis de contaminação, ao realizarem algum ato imundo;
  4. Cristo venceu todas as tentações pelas quais passou, ou seja, não é pecador; os antigos sacerdotes, por mais piedosos que fossem, acabaram caindo em pecado;
  5. Cristo foi elevado às alturas e permanece eternamente como sacerdote; eles voltaram ao pó da terra.

Que possamos ter sempre essas verdades em mente, para que cada vez tenhamos mais fé em Cristo e menos confiança nas coisas da terra, mesmo aqueles que faziam parte da Antiga Aliança.


¹ Da minha parte, não tenho nenhuma opinião final, mas gostaria de sugerir que você procurasse temas joaninos nessa carta. Um professor sugeriu e é surpreendente como muitos temas batem, quase tanto quanto os temas paulinos.