Trindade na prática

Josaías Jr.

Falamos sobre como a Trindade afeta a nossa mensagem evangelística. Ou, explicando melhor, como o Evangelho é essencialmente trinitariano. Ainda assim, alguém pode questionar a importância dessa doutrina. Fora o conteúdo da nossa mensagem, existe uma maneira de colocar em prática esse conhecimento? Ou é melhor dedicar sermões e aulas a assuntos mais fáceis de executar, como a leitura bíblica e a vida de oração?

Essa pergunta é curiosa porque envolve uma ideia distorcida do que é uma doutrina “prática”. Normalmente pensamos que colocamos em prática quando claramente há uma ação relacionada a certo ensinamento. Assim, se eu falo de oração, você sabe o que fazer. Se eu falo sobre 15 passos para um casamento de sucesso, acharemos que isso é mais prático que entender um pouco mais sobre diferentes pessoas dentro do Ser de Deus.

Pensamos assim, mas no fundo não cremos nisso. Confiamos num médico que tenha um vasto conhecimento sobre determinada área. Gostamos de saber que ele leu periódicos, que ele pesquisou casos e que gastou anos na faculdade ouvindo a teoria. Claro que saber que ele tratou vários casos é importante (e imprescindível) também. Mas assim que ele terminou sua última cirurgia ou seu último diagnóstico, aquilo vira passado e torna-se teoria na cabeça dele. No fim das contas confiamos em todo o conhecimento adquirido, não apenas se ele sabe cortar com um bisturi. É preciso ter certeza de que ele sabe como, por que, onde e quando cortar com um bisturi.

Da mesma forma, não oramos porque nos ensinaram que fechar os olhos e falar é a mesma coisa que orar. Oramos porque nos ensinaram sobre o que, por que, quando e como orar. E, embora muitos livros sobre oração, dediquem-se a algumas dessas perguntas, muitas vezes não pensamos na primeira e mais básica – para quem orar. E  esse é só um dos muitos exemplos de como a doutrina da Trindade é, por assim dizer, praticada.

Você já pratica

Vejo que perguntar a utilidade de aprender sobre a Trindade ou questionar se há alguma prática nessa doutrina é, de certa forma, semelhante a perguntar a utilidade de saber que seu cônjuge é um ser humano. Primeiro, por que você nem pergunta. Você sabe a resposta. Isso é o que chamamos de “conhecimento tácito”, algo que sabemos mas que já está tão impregnado em nós que nem sempre temos consciência dessa verdade. Segundo, por que ao perceber que seu cônjuge é realmente um ser humano, você o tratará com a dignidade que um ser humano merece, e não como um animal ou uma planta ou uma camiseta. E imagino que você já faça isso. Você pode já estar praticando uma doutrina (sim, antropologia bíblica) que teoricamente não tem aplicações tão fáceis de se notar.

A comparação é semelhante porque ao aprendermos sobre a Trindade nos relacionaremos com Deus da maneira como ele é, em conformidade com sua triunidade – mesmo que nem sempre estejamos conscientes disso. É provável que você, verdadeiro cristão, já faça aplicações da doutrina sem se dar conta.

Por outro lado, a comparação falha em um ponto: Deus é o único de sua espécie. Isto é, você pode comparar seu cônjuge com outros seres humanos e saber como lidar com as semelhanças e diferenças entre essa pessoa amada e outras pessoas. Deus é apenas um, não lidaremos com outra deidade antes nem lidaremos com outros deuses depois. Mas, se estamos falando com o Deus verdadeiro, de fato lidamos com o Deus Triuno, e aprender sobre a Trindade nos ensinará a relacionar-se com ele não como uma das opções de divindade, mas da única maneira possível de se lidar com o único e verdadeiro Deus.¹

Não há vida cristã sem a Trindade

Talvez você pergunte – “Se eu já sei tanto sobre essa doutrina, mas não sabia que sabia, como então eu coloquei ela em prática?” O risco aqui é ser óbvio demais e você responder que isso já tinha aprendido. Mas o fato é que esse é claramente o ponto que defendo. Mas, ainda assim, vejamos:

1) Adoração: Adoramos no Espírito, por meio do Filho, para glória do Pai. Diferente do que o antigo Israel fazia, hoje a adoração é em Espírito e em verdade. A igreja reune-se para adorar a Deus e ela é o Templo desse mesmo Deus, assim como sacrifício vivo em Cristo. Além disso, o Consolador nos guia a louvar e aprender mais do Pai e do Filho. Você já reparou como normalmente as canções e sermões voltam-se para Cristo ou para Deus Pai? Não é apenas por gosto pessoal. Se somos guiados pelo Espírito, essa será a ênfase maior dele.

2) Oração: Alguns, talvez tentando expressar piedade, oram em nome das três Pessoas. Mas na verdade isso não faz muito sentido, uma vez que precisamos direcionar a oração para alguém e necessitamos de um representante diante do Pai. “Em nome de Jesus” é como a maioria de nós termina uma prece. Ao dizer isso, estamos afirmando a mediação do Filho como meio de comunicação com o Pai. Temos nossa união com Cristo como fundamento para o relacionamento com Deus. Ao mesmo tempo, contamos com o Espírito Santo nos auxiliando naquilo que pedimos. Podemos ter certeza que as Pessoas da Trindade estão trabalhando para nosso bem quando oramos.

3) Evangelismo:  A mensagem da salvação é essencialmente trinitariana, como já comentamos. Falamos de um Filho que carregou a ira do Pai amoroso. Falamos de um Pai que enviou seu Filho puro e obediente por amor àqueles que foram entregues a Cristo. Confiamos no poder do Espírito Santo como a Pessoa que transforma e convence o pecador.

4) Leitura bíblica: Jesus ensinou que as Escrituras falam a respeito dele. O Espírito Santo, como aquele que inspirou o texto, nos guia à uma compreensão sobrenatural da Palavra de Deus. Por meio desta revelação de Deus, somos iluminados e alimentados a fim de nos tornarmos cada vez mais semelhantes a Cristo.

5) Pregação: A pregação no culto público também depende totalmente da Trindade. O alvo é a glória de Deus, o conteúdo principal deve ser Cristo e o Espírito Santo é o meio pelo qual tudo deve ser feito. Sem fidelidade à Palavra de Deus, o pregador não está anunciando Cristo ou, para ser mais claro, Cristo não está anunciando sua mensagem aos ouvintes.

6) Comunhão: O fato de sermos unidos a Cristo pelo Espírito deve nos dar uma visão maior do que significa estar em comunhão com o corpo de Cristo. A igreja não é mera agremiação de pessoas com qualidades e gostos parecidos. Pelo contrário, é Cristo o que nos une. Assim como a justiça do crente é externa, podemos dizer que, de certa forma, nossa comunhão começa fora de nós. É porque fomos adotados pelo Pai que nos chamamos de irmãos. É porque fomos unidos a Cristo que nos chamamos corpo. É porque temos o mesmo Espírito que nos chamamos Templo. É porque Deus nos ordena e o Espírito nos capacita que devemos amar uns aos outros e viver em comunhão. Além disso, nosso amor deve refletir o amor entre as Pessoas divinas, onde cada um honra e alegra-se com o outro.

7) Confiança na salvação: Nossa salvação depende exclusivamente de Deus. Confiamos na eleição do Pai, na obra de Cristo e na regeneração que o Espírito traz. Cremos na adoção por parte de Deus, tendo o Senhor Jesus como modelo e mediador da maneira como o Pai Celestial nos tratará. O Espírito Santo em nós é penhor e selo de que somos filhos. Nossa união com Cristo nos dá a garantia de que Deus Pai olha para para cada um dos seus justificados e diz: “este é meu filho amado”. Como disse Geerhardus Vos, “a melhor prova de que Ele nunca deixará de nos amar é que Seu amor nunca teve um começo. O que somos para Ele e o que Ele é para nós pertence à realidade dos valores eternais”. Estamos tão seguros nas mãos do Pai quanto o Filho está no Ser de Deus. Estamos tão ligados a Cristo assim como Espírito é um com o Pai e o Filho. Nada poderá nos separar do amor do Deus Triuno.

Poderíamos falar de outros assuntos como santificação, regeneração, batismo, Ceia e consumação, e muito mais. Mas creio que esse sete itens já nos dão imensa alegria e devem nos levar à adoração. Minha sugestão é que você tenha sempre em vista a doutrina da Trindade e reflita todos os dias sobre a beleza do plano glorioso de Yahweh. Falar do Deus Triuno não é brincar de especulação ou ser preciosista teológico – é aprender mais e mais sobre Aquele que nos criou e quem devemos refletir.


¹ É por isso também que não creio que o homem sem a revelação da Escritura pode chegar a Deus. Ele pode crer no seu conceito de Deus e esse conceito se assemelhar muito ao Deus das Escrituras. Mas, continua em erro.