A bondade de Deus e a realidade do mal

Albert Mohler
Albert Mohler

Qualquer pessoa sensata precisa lidar com o problema do mal. Eventos trágicos e ações perversas nos atingem nesse vale de lágrimas que chamamos de vida humana. O problema do mal e do sofrimento é indubitavelmente o maior desafio teológico que enfrentamos.

A maioria das pessoas enfrentam esse assunto em tempos de crise. Um acidente sem sentido, uma doença devastadora ou um crime terrível demandam alguma explicação. Recentemente, o mal mostrou sua face novamente conforme um tornado gigante trouxe morte e destruição à cidade de Moore, em Oklahoma.

Para o ateu, isso não é um grande problema. A vida é um acidente cósmico, a moral é um jogo arbitrário pelo qual nós ordenamos nossas vidas e qualquer significância é inexistente. Como explica Richard Dawkins, professor da Universidade de Oxford, a vida humana não é nada além de uma forma pela qual nossos genes egoístas se multiplicam e se reproduzem. Não há significado ou dignidade para a humanidade.

Para a Ciência Cristã, o mundo material e a experiência da morte e do sofrimento são ilusórios. Em outras religiões, o sofrimento é parte de um grande ciclo da vida ou de recorrentes encarnações de espíritos.

Alguns cristãos simplesmente explicam o sofrimento como consequência de pecados, conhecidos ou não. Alguns sofrimentos podem ser rastreados diretamente a pecados. O que plantarmos, colheremos, e muitos milhões de pessoas podem testificar essa realidade. Algumas pessoas sofrem inocentemente pelas atitudes pecaminosas de outras.

Mas Jesus rejeitou essa explicação genérica para o sofrimento, ensinando a seus discípulos em João 9 e Lucas 13 que eles nem sempre poderiam rastrear o sofrimento a algum pecado. Devemos notar que o problema do mal e do sofrimento, a questão teológica da teodiceia, é comumente dividido em dois tipos de mal, o moral e o natural. Ambos são incluídos nessas passagens. Em Lucas 13, o assassinato dos galileus é claramente um mal moral, um crime premeditado – assim como atentados terroristas. Em João 9, um homem é cego de nascença, e Jesus diz aos doze que essa cegueira não poderia ser rastreado ao pecado do homem ou ao de seus pais.

O mal natural surge sem um agente moral. Uma torre cai, um terremoto abala, um tornado destrói, um furacão devasta, uma aranha morde, uma doença debilita e mata. O mundo está cheio de maravilhas misturadas com perigos. A gravidade pode te salvar ou pode te matar. Quando uma torre cai, ela mata.

Pessoas em todos os cantos do mundo estão clamando por uma resposta à questão do mal. E ela vem àqueles que afirmam que Deus é poderoso e que Deus é bom. Como pode um Deus bom permitir que essas coisas aconteçam? Como pode um Deus de amor permitir que assassinos assassinem, terroristas aterrorizem e os perversos fujam sem deixar rastros?

Nenhuma resposta superficial serve. Nosso dilema é bem conhecido e os ateus pensam que nos pegam aqui. Como diz J.B., um personagem de uma peça de Archibald MacLeish, “Se Deus é Deus, ele não é bom, se Deus é bom, ele não é Deus; fique com o par, fique com o ímpar…”. Assim, Deus pode ser bom, ou ele pode ser poderoso, mas não poderia ser os dois.

Ou nós afirmamos o Deus auto-revelado na Bíblia, ou somos deixados à invenção de divindades moldadas à nossa própria imaginação. A Bíblia é rápida ao excluir dois entendimentos falsos:

Primeiro, a Bíblia revela que Deus é onipotente e onisciente. Esses são atributos incondicionais e categóricos. A soberania de Deus é a afirmação fundamental do teísmo bíblico. O Criador governa toda a criação. Nem um pássaro cai sem seu conhecimento. Ele conhece o número de cabelos sobre nossas cabeças.  Deus governa e reina sobre todas as nações e principados. Nenhum átomo ou molécula do universo está além de seu governo ativo.

A soberania de Deus foi afirmada pelo rei Nabucodonozor, que confessou que “segundo a sua vontade, ele [Deus] opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Daniel 4.35). Teólogos do Processo tentaram reduzir o poder de Deus, tratando o Criador como um poder entre outros. Os revisionistas evangélicos que afirmam o teísmo aberto tentaram reduzir a onisciência de Deu, tratando o Criador como uma mente entre outras.

O rabino Harold Kushner argumenta que Deus está fazendo o melhor que pode dadas as circunstâncias, mas que falta o poder para matar ou para curar. Os teístas abertos argumentam que Deus está sempre pronto com o Plano B quando o Plano A falha. Ele tem recursos infinitos, eles sempre afirma, mas só não é tão soberano.

Esses são caminhos que não nos atrevemos a tomar, pois o Deus da Bíblia faz surgir e faz cair as nações e impérios, e seu governo é ativo e universal. Soberania limitada não é soberania de forma alguma.

O segundo grande erro é atribuir o mal a Deus. A Bíblia não permite esse argumento. Deus é retidão, amor, bondade e justiça absolutos. A maioria dos erros relacionados a essa questão ocorre por causa de nossa tendência humana de impor um padrão externo – uma construção humana de bondade – a Deus. Mas não é o bem que define Deus, mas Deus que define o que é bom.

Como então podemos falar do governo de Deus e o reconciliar com a realidade do mal? Em meio a esses dois erros, a Bíblia nos aponta para a afirmação radical da soberania de Deus como a base para nossa salvação e a certeza de nosso próprio bem. Não podemos explicar porque Deus permitiu o pecado, mas entendemos que a glória de Deus é mais perfeitamente demonstrada através da vitória de Cristo sobre o pecado. Não podemos entender o porquê de Deus permitir enfermidades e sofrimento, mas precisamos afirmar que mesmo essas realidades estão enraizadas no pecado e em seus efeitos cósmicos.

Como Deus exercita seu governo? Ele ordena todos os eventos por decreto, ou tolera alguns atos perversos por mera permissão? Isso nós sabemos: não podemos falar dos decretos de Deus de uma forma que implique que ele seja o autor do mal, e não podemos simplesmente falar de mera permissão, pois isso abre portas para uma negação de sua soberania e vontade ativa.

Uma venerável confissão de fé corretamente afirma: “Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas”.

Deus é Deus e Deus é bom. Como Paulo afirma para a igreja, a soberania de Deus é a base da nossa esperança, da certeza de que a justiça de Deus é a palavra final e do governo amoroso em cada evento de nossas vidas: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”. (Romanos 8.28)

Não nos atrevemos a falar em lugar de Deus para explicar o porquê de se permitir alguns atos perversos específicos acontecerem em dado momento a dadas pessoas de dada maneira. Entretanto, ao mesmo tempo, não nos atrevemos a ficar em silêncio quando deveríamos dar testemunho do Deus da justiça e amor e retidão que governa sobre tudo em onipotência. Humildade requer que afirmemos o que toda a Bíblia ensina, e não irmos além. Há muito que não entendemos. Como Charles Spurgeon explicou, quando não podemos enxergar a mão de Deus, devemos simplesmente confiar em seu coração.

Assim, nós choramos com os que choram, e procuramos agir em compaixão e empatia. Oramos por aqueles que estão chorando e experimentando grandes perdas. Choramos pelas crianças perdidas em tempestades e somos gratos pelos bravos homens que fazem seu melhor para salvá-las em meio a ventos devastadores. E assim, oramos: Senhor, volte sem tardar.