Uma das minhas maiores alegrias quando ainda um jovem cristão, convertido recentemente, foi a descoberta de que eu não precisava deixar meu cérebro na porta antes de entrar na igreja, se é que vocês me entendem. Lendo as obras de homens como Martyn Lloyd Jones, J. I. Packer e D. A. Carson logo descobri que, de fato, havia cristãos que pensavam profundamente sobre a Escritura, o que ela significa e como deve ser aplicada ao mundo ao nosso redor.
Não foi muito tempo depois de descobrir esses autores que me deparei com o termo “perspectiva cristã da vida”. Essa frase já é tão lugar-comum nos círculos cristãos que alcançou o patamar de outros clichês como “processo de cura”, “guinada de 180˚” e “construir pontes”. Ela se refere ao desejo de ver o cristianismo aplicado a todas as áreas da vida. Mais frequentemente, é usada em referência às abordagens cristãs a manifestações culturais, sejam artísticas, políticas, literárias ou qualquer que sejam; e, assim, certamente é um termo útil e uma busca nobre. Se a Bíblia fala conosco, seres de carne e osso, então ela certamente fala sobre todas as áreas da nossa existência de carne e osso.
Bem, nem tanto. É possível dizer, por exemplo, que a Bíblia não fala diretamente sobre todas as áreas da vida. Comida, por exemplo. Não há uma “visão bíblica” a respeito de cozinhar, até onde eu sei. Assim, é sempre um pouco surpreendente que as discussões sobre “cosmovisão cristã” tendem a focar no que pode ser chamado de preocupações intelectuais, para não dizer “de classe média”. Não há muitos livros publicados sobre a abordagem cristã de, digamos, recolhimento de lixo urbano, karaokê ou bingo. Mesmo assim, muito de nós foram amplamente beneficiados pelas obras de acadêmicos cristãos das áreas de literatura e artes que tem buscado aplicar sua fé cristã ao exercício de suas disciplinas.
Brincadeiras a parte, a busca por uma mentalidade cristã não é uma coisa ruim. Na verdade, a descoberta de que cristãos podem usar seus cérebros e serem fiéis é, certamente, uma fonte de alegria para muitos de nós. Entretanto, é triste que muitas vezes tendemos a negligenciar a passagem da Escritura que descreve explicitamente a mente cristã: Filipenses 2.5-11:
Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai.
Nessa passagem, a essência da mente cristã não é lançada em termos epistemológicos. Em outras palavras, a mente cristã não é, em última análise, a respeito de como podemos saber coisas. Nem a respeito de conhecer o último livro do último palestrante cristão da moda. A mente cristã, o sentimento, sobre a qual Paulo fala aqui tem pouco a ver com aquelas coisas que achamos mais interessantes e excitantes no mundo ao nosso redor, e não há nada aqui sobre “relevância”, pelo menos não da forma como a maioria de nós entende esse termo. O foco aqui é na humildade. Não é excitante, não tem glamour. Não é algo que normalmente desejamos para nós mesmos. Mas aqui está – a mente cristã é, acima de tudo, uma mente humilde.
A natureza imperativa dessa passagem é apontada pela conexão da narrativa bíblica com as afirmações da teologia sistemática. Saber que o Cristo pré-encarnado era Deus, que esse foi o contexto no qual ele assumiu a forma humana, desceu à terra, viveu uma vida de obediência absoluta à vontade de Seu Pai, e fazê-lo até o ponto de morrer a terrível morte da cruz, saber tudo isso, é o que faz essa passagem tão impactante e tão custosa para nós cristãos. Se aquele que é Deus desceu tão baixo, e por meio disso alcançou glória verdadeira, quanto mais nós, pobre criaturas pecadoras que somos, não deveríamos estar dispostos a sermos humilhados ao longo de nossas vidas cristãs.
Apesar disso, muito da vida cristã normalmente é devotado a outras coisas. Temos a tendência de encher nossas vidas com assuntos que, embora bons em si mesmos, podem nos distrair da busca das demandas de uma passagem como Filipenses 2. Em nossas igrejas temos vários eventos: grupo de jovens, encontro de casais, almoço da terceira idade, grupo de jovens casados, etc. Assim, para aqueles que amam teologia, é muito fácil se ver totalmente absorto nos detalhes de vários debates ou movimentos teológicos. Isso é bom: todas essas pessoas precisam ser alcançadas com o evangelho e nutridas na fé. Ortodoxia e crenças corretas são fundamentais para a saúde e o bem estar da igreja. Entretanto, esse alcance, nutrição e saúdem também dependem em grande parte de cultivar a mente de Cristo.
Como fazer isso? Primeiro, certamente é vital que desenvolvamos um claro entendimento de quem Deus é e quem Cristo é. Sem isso, dificilmente entenderemos o que Paulo está falando em Filipenses 2. Isso só poderá ser alcançado por meio da exposição regular da Palavra de Deus e a transformação pela Palavra. Esse é o plano de fundo do ensino do homem bem-aventurado do Salmo 1. É claro, devemos buscar isso pessoalmente na rotina diária. A disciplina da leitura da Bíblia é importante para nossas vidas espirituais; mas é ainda mais importante que nos coloquemos regularmente sob a sã e cuidadosa pregação da Palavra. Somente quando as palavras de Deus vem a nós faladas por outras pessoas podemos ter um grau razoável de certeza de que nossa exposição à Palavra de Deus não está simplesmente sendo filtradas por nossas próprias preferências e preconceitos. Quando estou na igreja e o pastor escolhe uma passagem da escritura para ler, e então explica e aplica essa passagem, posso estar mais certo de que ele fará um trabalho tanto brutalmente mais eficaz de romper com meu orgulho quanto mais gentil de me recompor em graça do que eu seria capaz de fazer por mim mesmo.
Segundo, precisamos olhar para nós mesmos profundamente. Eu acabei de passar alguns tristes momentos olhando o site de um líder muito popular do movimento da Igreja Emergente. Sua página começa com uma lista de grandes coisas que outros já falaram sobre ele: um dos mais importantes e provocativos pensadores da igreja… Um dos 50 cristãos mais influentes da América… Nenhum líder eclesiástico entende melhor como navegar nos mares do Século XXI… Um escritor de vasta imaginação, charme e carisma. Houve um tempo em que eu faria pouco caso dessa autopromoção barata. Agora eu fico triste por algo tão ruim que nem deveria ser parodiado. O que é tão deprimente é como tudo isso é absolutamente antitético à mente e o espírito de Cristo. Isso é, de fato, anticristão. Veja bem, as editoras do ramo de vender livros irão colocar endossos nas capas de seus produtos. Mas tolo é o homem que acredita neles; e mais tolo ainda é o homem que os lista em seu próprio site como meio de atrair pessoas. E tolice é a essência do orgulho: quando começamos a pensar que somos especiais e perdemos de vista o fato de que somos o que somos, nem mais nem menos, apenas pela graça. E essa graça é obtida por aquele descrito em Filipenses 2, cuja atitude somos ordenados incondicionalmente a cultivar em nós mesmos.
Entretanto, a tarefa que Filipenses 2 deixa à nossa porta não é uma de ver e zombar das pretensões e orgulhos absurdos dos outros, sejam Emergentes ou ortodoxos. É a de cultivar a mente de Cristo entre nós mesmos, e certamente estamos cheios de muito entulho orgulhoso para nos manter ocupados. Se a atitude desse site Emergente é uma amostra do espírito de nosso tempo, também é, de uma forma bem real, a atitude de todos nós caídos em Adão. Não apenas somos inclinados a esquecer quem somos perante Deus; se deixados a nós mesmos, positivamente suprimimos esse conhecimento porque dói lembrar que não apenas não somos deuses como também estamos em ativa rebelião contra o único verdadeiro Deus.
Encharcar nossas mentes com a Palavra de Deus; aplicar nossas convicções teológicas primeiro a nós mesmos e apenas depois disso aos outros; lembrar da grandeza e santidade de Deus; lembrar a nós mesmos consistentemente da graça de Deus demonstrada a nós em Cristo – nenhuma dessas coisas é glamourosa, tendência, dramática ou particularmente espetacular na cultura dos holofotes da cidade grande que domina tanto o mundo em que vivemos hoje. Mas são absolutamente essenciais para o desenvolvimento de uma mente cristã. E essa mente, de acordo com o Novo Testamento, é parte inegociável da existência cristã.
O cristão profético e, na verdade, a igreja profética, é uma que desafia a cultura dominante em suas bases mais profundas. Isso significa que, no fim das contas, a habilidade de aplicar o cristianismo à amizades ou Shakespeare, meio ambiente ou capitalismo, não é realmente a essência da mente cristã profética. Apenas o cristão verdadeiramente humilde e a igreja verdadeiramente humilde podem dizer que possuem essa mentalidade e falar de formar verdadeiramente profética sobre esse mundo como ele é.