Alguns anos atrás, um forte vírus estomacal tomou conta do campus universitário onde trabalho como deão. Um dia, sabendo que a maioria dos alunos da minha classe ainda estavam se recuperando da enfermidade, lancei a pergunta “será que Jesus sofreu de indisposição estomacal?”
Em um dia mais rotineiro, em que questões sobre esse mal talvez fossem uma realidade mais abstrata, eu duvido que houvesse qualquer coisa além de consenso nas respostas. É claro, esses futuros pastores teriam afirmado com muita certeza que Jesus assumiu todos os aspectos da natureza humana, fora o pecado.
Mas essa não era uma questão abstrata. Aqueles estudantes ainda sofriam não só do desconforto da doença, mas também da indignidade consequente. Eles haviam sido molestados por vômito, diarréia, febre e calafrios. Eles ainda enfrentavam a sensação de não ter qualquer controle sobre as funções fisiológicas mais repugnantes.
Então, quando lancei a pergunta, aqueles ministros do evangelho hesitaram. O vírus estomacal não era simplesmente prejudicial, era humilhante. E pensar em Jesus relacionado aos piores e mais embaraçosos aspectos da existência humana parecia beirar o desrespeito, se não a blasfêmia.
Por que é tão difícil para nós imaginar Jesus vomitando?
A resposta para essa questão tem muito a ver, antes de todo, com a figura unidimensional de Jesus que foi ensinada a (ou assumida por) muitos de nós. Muitos de nós vemos Jesus ou como o amigo espiritual que mora em nosso coração, nos prometendo o céu e nos guiando pelas dificuldades, ou o vemos simplesmente nos termos de sua soberania e poder, com uma grande distância entre nossas realidades. Não importa o quão ortodoxa seja nossa doutrina, todos tendemos a pensar em Jesus como uma figura estranha e imaterial.
Mas o encurtamento dessa distância é precisamente o cerne do escândalo do próprio evangelho. Simplesmente não parece certo que imaginemos Jesus com febre, vomitando, chorando durante a amamentação ou estudando para aprender hebraico. Desde o início da era cristã, aqueles que buscaram redefinir o evangelho argumentaram que não é correto pensar em Jesus como carne e osso, cheio de sangue, intestinos e urina. Não parece correto pensar em Jesus crescendo em sabedoria e conhecimento como Lucas nos diz que ele fez. De alguma forma, isso parece diminuir sua divindade e sua dignidade.
Mas o ponto é exatamente esse.
O próprio começo da história de Cristo nos mostra que parte dos sinais do Messias é que ele estaria coberto em panos (Lucas 2.12) Por que você cobre um bebê com panos? Pela mesma razão que talvez você tenha botado fraldas nos seus filhos, ou envolto em lençóis. A ideia é manter o bebê aquecido e limpo das sujeiras. Desde o começo, Jesus era como um de nós, compartilhando do mesmo sistema nervoso, digestivo e, como veremos, cada aspecto da natureza humana.
Não parecia correto ao mundo imaginar o único eterno filho do Pai se retorcendo de dor na cruz, gritando ao se afogar no próprio sangue. Isso é humilhante, indigno. E é esse o ponto. Jesus se uniu a nós na nossa humilhação, nossa falta de dignidade. Nisso, Jesus, como nos diz a Escritura, não tem vergonha de nos chamar de irmãos (Hebreus 2.11).
Eu pensei muito nisso quando fui chamado para ler (e escrever um prefácio) para novo livro do meu amigo Patrick Henry Reardon sobre a humanidade do Senhor, “The Jesus We Missed: The Surprising Truth About the Humanity of Christ” [O Jesus que esquecemos: a surpreendente verdade sobre a humanidade de Cristo]. Foi o melhor tratamento contemporâneo desse assunto que eu já vi.
Esse livro me levou a pensar e ponderar. Mas, mais que isso, esse livro me levou a orar e adorar, a ver o Jesus que tão facilmente me esqueço: o Jesus que real e verdadeiramente foi um de nós para que nós, com ele, fôssemos feitos herdeiros do Pai e filhos de Deus. Aquele que tomou sobre si cada aspecto da nossa carne e sangue para nos redimir dos poderes do diabo (Hebreus 2.14-15).
[tweet link=”http://iprodigo.com/?p=7877″]Nós definimos “humanidade” à luz de nosso irmão, à luz do alfa e ômega da humanidade – Jesus de Nazaré[/tweet]
Refletir sobre a humanidade de Jesus sempre me leva a enxergar o que eu esqueci sobre a minha própria humanidade. Muitas vezes, somos tentados a justificar nossa amargura, raiva, cobiça, inveja e partidarismo por sermos “apenas humanos”. O mistério de Cristo nos mostra que tais coisas não são nada humanas, mas satânicas. Nós definimos “humanidade” à luz de nosso irmão, à luz do alfa e ômega da humanidade – Jesus de Nazaré.
Refletir na humanidade do nosso Senhor pode te levar ao Jesus que talvez você tenha esquecido, ou talvez nunca encontrado. Também pode te impulsionar com a esperança pelo dia em que as mãos perfuradas limparão suas lágrimas e uma voz com sotaque do norte da Galiléia se apresentará a você como seu Senhor, seu Rei, mas também seu irmão.