Deleitando-se na morte?

Semana passada, dei uma palestra, como convidado em uma faculdade cristã, intitulada “Cada dia morre ao dormir: reflexões literárias e teológicas sobre moral”. Enquanto eu pensava sobre o assunto ao longo das semanas anteriores, duas questões superficialmente díspares me intrigaram. Por que as pessoas mais comprometidas com causas conexas com a morte (aborto, suicídio assistido, eutanásia) são, frequentemente, também adeptas a causas sexualmente progressivas? E por que os defensores do aborto comumente não o veem como um mal necessário, mas como um bem positivo?

Quanto à primeira questão, o fato de que as mesmas pessoas geralmente, embora nem sempre, apoiam esse conjunto de opiniões sugere que há algo que as conecta em um nível profundo, embora política sexual e ética sobre a morte pareçam não se relacionar. Quanto à segunda, eu sou pró-vida, e vejo o aborto como algo hediondo e como uma fonte de vergonha nacional. Mas eu entendo a lógica interna da causa pró-aborto, embora eu não nutra nenhuma simpatia por ela. O que não consigo de forma alguma entender, entretanto, é como muitos enxergam o aborto como um emblema de orgulho e alegria. Argumentar que aborto é algo trágico, porém um mal necessário é uma coisa. Mas é totalmente diferente sorrir pra a câmera enquanto veste uma camiseta com a qual, orgulhosamente, gaba-se de ter feito um.

A teoria que tentei propor em minha palestra foi uma extensão do que aprendi lendo Agostinho, Pascal e, para completar um trio estranho, Sigmund Freud: a morte é um lembrete intransponível do poder, ou da tirania, do nosso corpo sobre o nosso ser e humanidade. Nossos corpos são testemunhas do fato de que, em última instância, nós não estamos no controle. Nós não somos soberanos. Nós não somos deuses. Nós odiamos essa realidade e tentamos energeticamente negar isso. Assim, a tentativa de desafiar as limitações do nosso corpo e o desejo de controlar a vida e a morte são dois aspectos da mesma coisa.

Como nós nos distraímos da mortalidade do nosso corpo? Como fingimos que estamos no controle, mesmo quando a morte e o nosso corpo nos lembra do contrário? Bem, há inúmeras formas de fingirmos que o nosso corpo não importa. Você pode se submeter a uma cirurgia que faça com que você pareça mais novo do que é. Se você nasceu homem, você pode fazer uma cirurgia para fingir que é uma mulher, e vice-versa. Talvez seja mais óbvio você se entregar à amoralidade descontrolada que ignora tanto o contexto corporal como as consequências da atividade sexual.

A principal distração é, contudo, fingirmos que podemos controlar a morte. Nós matamos crianças ainda no ventre, velhos e enfermos. Se não podemos negar a mortalidade vivendo para sempre, nós podemos, ao menos, determinar para nós mesmos quando e as circunstâncias da nossa própria morte. Não se engane: o leviano e vertiginoso prazer que as Gloria Steinems desse mundo sentem em relação ao aborto é ocasionado por mais do que um simples desejo de fazer com que as vítimas de estupro não tenham filhos indesejados. Ele é nutrido pela grotesca sensação que vem com o controle sobre a vida e a morte.

É óbvio que tudo isso é altamente especulativo. Mas parece para mim que a paixão e o entusiasmo envolvido em ser pró-escolha em questões envolvendo a vida não pode ser simplesmente explicado pelo discurso de gravidez não desejada ou prevenção de sofrimento desnecessário ao fim de vida. E por que o liberalismo moderno, ao tratar de aborto e suicídio, tantas vezes acompanha a defesa da aniquilação do significado da diferença corporal na esfera da sexualidade? Algumas pessoas parecem se orgulhar de coisas que não podem ser explicadas meramente por critérios pragmáticos como conveniência e escolha. Algo mais profundo, espiritual e muito mais sinistro está em jogo aqui.