Que anúncio! Quando os pastores ouviram o relatório do anjo – “é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor.” (Lucas 2:11) – será que eles entenderam a magnitude e o mistério de que o Cristo, o Senhor, havia nascido? Como eles poderiam ter entendido que o eterno Filho de Deus, a segunda pessoa da Trindade, havia nascido como uma pessoa que era igual a eles em todos os aspectos, e que um dia ele seria a propiciação pelos pecados daqueles mesmos pastores (Hebreus 2:17)? Como Martinho Lutero disse certa vez, o recém-nascido indefeso estava, ao mesmo tempo, mantendo todo o universo coeso.
Como cristãos, confessamos que Deus o Filho veio em carne e nasceu como um de nós. Ele tinha fome, ficava cansado e sangrava exatamente como nós. Ainda assim ele não cessou de ser o imutável e infinito Deus-Criador. Este é o mistério da Encarnação. Isso nos confunde. Mas acreditamos na Encarnação, não porque ela faça completo sentido para nós, mas porque ela faz com que tudo o mais tenha sentido.
A encarnação dá sentido à Bíblia.
A identidade divina de Jesus Cristo flui por meio das proclamações do Novo Testamento e por meio das expectativas esperançosas do Antigo Testamento, da mesma forma que sangue flui em veias. Essa identidade é a vida do evangelho – a forma da obra salvadora de Deus em Cristo – que o Filho de Deus veio em carne (2 João 7); que enquanto ele é o eterno Criador e Deus (João 1:3; João 20:28; Colossenses 1:16-17), ele também se tornou como nós (Hebreus 2:17; Filipenses 2:7) e nos reconciliou com Deus pelo seu sangue (Colossenses 1:20).
Leão o Grande (400-461), que ajudou a reunir o Concílio da Calcedônia (451), argumentou que por meio das duas naturezas de Cristo (plenamente homem e pleamente Deus) vem o entendimento bíblico de nossa justificação e redenção. E que negar tal mistério é “destruir toda a esperança de salvação do homem”. O propósito da encarnação, afirma Leão, é salvar o homem da morte eterna. Ele escreve:
A Palavra de Deus … dobrando a si mesmo para tomar sobre ele nossa humilhação sem diminuir a sua própria majestade, assim continuando a ser o que ele é e assumindo o que ele não é, ele pôde unir a verdadeira forma de um escravo à forma na qual ele é igual a Deus o Pai, e tornar ambas as naturezas unidas de uma forma tão compacta que o menor não seria engolido em sua exaltação nem o maior seria prejudicado pelo seu novo parceiro.
Ele escreve depois que foi por causa das necessidades de nossa pecaminosidade que “a natureza inviolável foi unida com uma natureza passível, e o verdadeiro Deus e verdadeiro homem foram combinados para formar um Senhor … sendo o perfeito Mediador entre Deus e o homem, ele poderia tanto morrer com um quanto levantar-se novamente com o outro.”
Muitas reflexões sobre a encarnação terminam na surpreendente nota de Deus humilhando a si mesmo na forma de um homem. Mas não devemos parar aí. Enquanto temos em uma mão o humilde servo Jesus Cristo, na outra mão temos todas as suas maravilhosas perfeições divinas.
A encarnação dá sentido à realidade.
Como alguém pode gritar “Preciso de ti, precioso Jesus, pois eu sou cheio de pecado” de Jesus for um mero homem? Ou o que ele pode fazer além de nos julgar se ele for apenas Deus? A realidade de nosso pecado só pode ser resolvida pela Encarnação. Nós cometemos a maior ofensa contra o maior e mais importante Ser. Mas Jesus pode tanto simpatizar com nossas necessidade quanto expiar totalmente nossos pecados. Como?
O Filho, ao se colocar na forma de servo, não perdeu nenhuma de suas perfeições gloriosas. Ele é eternamente grande. Ainda assim ele tomou para si mesmo uma natureza que pode ser ferida e machucada, que pode ser amaldiçoada e desamparada, que pode sangrar e morrer. O Filho não transformou sua divindade em humanidade, nem confundiu as duas naturezas em uma só, mas uniu as duas em um Senhor e Salvador.
Em nossas devocionais familiares e sermões de Natal, não vamos passar muito depressa pelo mistério da Encarnação. Fique perto da mangedoura um pouco mais no seu caminho até a cruz. As duas naturezas de Cristo são a força por trás das boas novas para os pecadores. Este mistério nos confunde, e também aos nossos ouvintes, mas nós ainda assim devemos proclamá-lo!
Traduzido por Daniel TC | iPródigo | Original aqui.