Nada de bom é negado

Por J.I. Packer

“Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas?”. A idéia expressa por Paulo nesta segunda pergunta é que nenhuma coisa boa finalmente nos será negada. Ele confirma essa idéia mostrando-nos a suficiência de Deus como nosso soberano benfeitor e a firmeza de sua obra redentora por nós.

No primeiro mandamento, Deus disse a Israel que o servisse exclusivamente, não apenas porque lhe devessem isso, mas também por ser ele digno de toda a confiança. Deviam se curvar diante de sua absoluta autoridade com base na confiança em sua suficiência total. É evidente que ambas as coisas precisam estar juntas, pois eles dificilmente o serviriam de todo o coração se, ao excluir os outros deuses, duvidassem da suficiência de Deus para suprir suas necessidades.

Agora, se você é cristão, sabe que também está sendo chamado a agir do mesmo modo. Deus não poupou seu Filho, mas o entregou por sua causa. Cristo ama você e se entregou para livrá-lo da escravidão do pecado do Egito espiritual e de Satanás. Jesus Cristo lhe apresenta o primeiro mandamento na forma positiva: “Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento. Este é o primeiro e maior mandamento” (Mt 22:37,38). A exigência se apóia em seu direito de Criador e Redentor, e não se pode escapar dela.

Você conhece, como discípulo, o estilo de vida ao qual foi chamado por Cristo. Seu exemplo e ensinamento nos evangelhos (sem seguir mais adiante no livro de Deus) tornam a idéia perfeitamente clara. Você é chamado a viver como peregrino neste mundo, um simples residente temporário, viajando com pouca bagagem e desejoso, segundo o direcionamento de Cristo, de fazer o que o moço rico não quis: deixar as riquezas materiais e a segurança proporcionada por elas e conviver com a possibilidade de empobrecimento e perda de bens. Tendo seu tesouro no céu, você não precisa pensar em tesouros terrenos, nem na vida de alto padrão — Jesus pode lhe pedir a renúncia de ambos. Você é chamado a seguir a Cristo, carregando sua cruz.

O que isso quer dizer? Bem, as únicas pessoas no mundo antigo que carregavam cruzes eram criminosos condenados a caminho da execução. Eles, como o Senhor Jesus, eram obrigados a carregar a cruz sobre a qual seriam executados. Assim, o que Cristo quis dizer é que você deve assumir a posição de tal pessoa no sentido de renunciar a todas as expectativas sociais futuras e aprender a tomar como naturais o desprezo de seus companheiros e o olhar de desdém e aversão como se você fosse um estranho. É possível que muitas vezes você seja tratado desse modo por causa da lealdade ao Senhor Jesus Cristo.

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Você é também chamado a ser uma pessoa mansa, nem sempre lutando por seus direitos, nem preocupado em reaver o que lhe pertence, nem entristecido por maus-tratos e desprezos (embora, se você for sensível, estas coisas possam feri-lo). Em vez disso, deve simplesmente entregar seus problemas a Deus e deixar que ele o defenda se e quando ele achar conveniente. Sua atitude para com seus companheiros bons e maus, agradáveis e desagradáveis, tanto cristãos como descrentes, deve ser a do bom samaritano para com o judeu na estrada, e isto quer dizer que seus olhos devem estar abertos para as necessidades espirituais e materiais dos outros. Seu coração deve estar pronto para cuidar das almas necessitadas quando as encontrar; sua mente precisa estar alerta para planejar o melhor modo de ajudá-las e sua vontade deve estar firmada contra a armadilha (na qual somos especialistas) de “transferir responsabilidades”, livrando-nos de situações difíceis em que se impõe a ajuda mediante sacrifício.

Nada disso, evidentemente, é estranho a qualquer de nós. Sabemos que Cristo nos chama para esse estilo de vida, muitas vezes pregamos e falamos sobre ele, mas será que o vivemos realmente? Bem, veja as igrejas. Observe a falta de ministros e de missionários, especialmente de homens; observe a riqueza material nos lares cristãos; o problema de se angariar fundos para as sociedades cristãs; a presteza dos cristãos em todos os níveis de vida em reclamar de seu salário; a falta de preocupação com os idosos e solitários, ou mesmo com qualquer pessoa fora do círculo dos “verdadeiros crentes”.

Somos bem diferentes dos cristãos do Novo Testamento. Nossa vida é estática e convencional, a deles não era. A idéia de “primeiro a segurança” não era obstáculo em seus empreendimentos, como acontece em nossos dias. Por viver o Evangelho de modo exuberante, não-convencional e desinibido, eles viraram o mundo de cabeça para baixo; mas nós, cristãos do século xxi, não podemos ser acusados de fazer algo semelhante. Por que somos tão diferentes? Por que comparados com eles parecemos apenas meios cristãos? De onde vêm o nervosismo, o medo, que não aceitam riscos e que tanto prejudicam o discipulado? Por que não estamos livres do medo e da ansiedade de modo a nos permitir seguir a Cristo em todos os sentidos?

Uma razão parece ser a de que, em nosso íntimo, tememos as conseqüências advindas de uma vida totalmente cristã. Esquivamo-nos da responsabilidade por outras pessoas por medo de não ter forças suficientes para suportá-las. Esquivamo-nos de aceitar certo estilo de vida que despreza a segurança material porque tememos o fracasso. Esquivamo-nos de ser mansos por temermos ser pisados, feridos se não nos mantiver-mos altivos, terminando a vida em meio a fracassos e desventuras. Esquivamo-nos de romper com as convenções sociais a fim de servirmos a Cristo, pois tememos que nossa estrutura de vida sofra um colapso, deixando-nos sem nenhum ponto de apoio.

São esses temores semiconscientes, essa ameaça de insegurança, em vez de outra recusa deliberada de enfrentar o custo de seguir a Cristo, que nos fazem recuar. Sentimos que os riscos do discipulado total são grandes demais para aceitá-los. Em outras palavras, não estamos certos da suficiência de Deus para suprir as necessidades dos que se lançam, de todo o coração, no mar profundo da vida não-convencional em obediência ao chamado de Cristo. Portanto, sentimo-nos obrigados a quebrar um pouquinho o primeiro mandamento, tirando parte de nosso tempo e de nossa energia do serviço a Deus para servir às riquezas. Isto, no fundo, pode ser o que está errado conosco. Temos medo de aceitar totalmente a autoridade de Deus por causa de nossa secreta incerteza quanto à sua suficiência para cuidar de nós.

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Vamos agora dar o nome certo às coisas. O nome do jogo que estamos praticando é incredulidade, e a afirmação de Paulo: “Ele nos dará todas as coisas” permanece como um desafio para nós. O apóstolo nos diz que não devemos temer nenhuma perda nem empobrecimento irreparável; se Deus nos nega alguma coisa é apenas para dar outras que ele tem em mente. Será que aceitamos o conceito de que a vida de alguém consiste, pelo menos em parte, nas coisas que ele possui?

Isto apenas alimenta o descontentamento e bloqueia as bênçãos, pois a expressão “todas as coisas” de Paulo não significa excesso de bens materiais. A paixão por eles deve ser extirpada a fim de que “todas as coisas” possam tomar seu lugar. Essa expressão está relacionada com o conhecimento e com a alegria de Deus, e a nada mais. O significado de “ele nos dará todas as coisas” pode ser este: um dia veremos que nada — literalmente nada — que possa aumentar nossa eterna felicidade nos foi negado e que nada — literalmente nada — que possa reduzir essa felicidade nos foi tirado. Que maior garantia queremos?

Ainda assim, quando se fala em auto-renúncia inabalável a serviço de Cristo, estremecemos. Por quê? Por falta de fé, pura e simplesmente.

Tememos que Deus não tenha força ou sabedoria para cumprir o propósito estabelecido? Mas foi ele quem fez o mundo, quem o governa e quem ordena tudo o que acontece, desde o curso seguido pelo faraó e por Nabucodonosor até a queda de um pardal. Tememos que ele vacile e em seu propósito, e que — a exemplo de pessoas boas com boas intenções que às vezes falham com seus amigos — ele também possa falhar em cumprir suas boas intenções para conosco? Paulo, porém, afirma que “Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam” (Rm 8:28). Quem é você para imaginar-se a primeira exceção, a primeira pessoa a ver Deus vacilar e deixar de cumprir sua palavra? Você não percebe que desonra a Deus com tais temores?

Você duvida de sua constância, supondo de que ele tenha “aparecido”, “evoluído” ou “morrido” no intervalo entre os tempos bíblicos e o nosso (todas essas idéias foram exploradas nos tempos modernos), e que agora ele não é mais o mesmo Deus santo da Bíblia? Entretanto, ela afirma: “Eu, o SENHOR, não mudo” e “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e para sempre” (Ml 3:6; Hb 13:8).

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Você tem evitado uma vida de riscos e custos para a qual sabe, no íntimo, que Deus o chamou? Não se detenha mais. Seu Deus é fiel e suficiente. Você nunca precisará de nada além do que ele pode dar, e seu suprimento, quer material quer espiritual, será sempre o bastante para o presente. O Senhor “não recusa nenhum bem aos que vivem com integridade” (Sl 84:11). “Deus é fiel; ele não permitirá que vocês sejam tentados além do que podem suportar. Mas, quando forem tentados, ele mesmo lhes providenciará um escape, para que o possam suportar” (1Co 10:13). “Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co 12:9). Pense nessas coisas e deixe que seus pensamentos afastem as dificuldades para servir ao Mestre.

Trecho do livro “O Conhecimento de Deus” | iPródigo