Gastei a maior parte do meu dia batalhando com algumas genealogias da Bíblia (e aproveitando cada minuto disso). Passei algum tempo refletindo sobre o final do livro de Rute, onde encontramos uma genealogia curta, mas impactante. Mas antes de chegar lá, quero te lembrar a cena final de Rute.
Ao fim do livro, vemos relances de uma pequena cena que é divertida de se imaginar. Boaz casou-se com Rute e o Senhor os abençoou com um filho. O que parece ser relatado aqui é que, após a criança nascer, as mulheres de Belém pegam o bebê e o levam até a casa de Noemi, para anunciar e celebrar o nascimento. As mulheres levam o bebê da casa de Boaz e chegam dançando e celebrando à casa de Noemi, tomando parte em sua alegria. Elas chegam adorando a Deus, conscientes de que esse bebê é prova do favor do Deus que cumpre suas alianças. Elas declaram que Rute é mais do que sete filhos para Noemi, que Rute é mais para Noemi do que uma família perfeita com filhos perfeitos. Essa é uma grande homenagem!
No sentido legal, esse filho era de Noemi; nascido de Rute, mas filho de Noemi e Elimeleque, a criança que carregaria o nome da família. Noemi servirá como uma mãe adotiva, ajudando a criar a criança. Dá pra imaginar Noemi chorando e louvando ao pegar o bebê das mulheres e apertá-lo em seu colo. Tantas promessas cumpridas, tanto amor demonstrado, tantas orações respondidas. Deus sendo fiel ao seu pacto. Ele deu a ela um herdeiro e lhe restituiu sua terra.
E eles viveram felizes para sempre. A história de Rute começa com Noemi deixando a terra com seu marido e seus dois filhos. Noemi enfrentou tragédias quase insuportáveis, mas aqui está ela ao final, ninando um bebê em seu colo – o bebê que é a declaração de Deus de sua fidelidade às suas promessas, de seu amor a Noemi, de que ela não foi esquecida ou abandonada. Noemi experimentou o pior tipo de vazio, mas aqui ela está cheia, plena, completa.
Fim?
Talvez, mas nem tanto. O narrador ainda tem uma pequena surpresa para nós. Ele manteve em oculto por toda a história algo que ele incluiu no posfácio.
Antes de chegarmos lá, vale à pena parar e pensar na história sem esse posfácio. Se não houvesse mais nada no livro de Rute, o que poderíamos aprender com ele? Nós veríamos Deus calmamente orquestrando todas as coisas de acordo com seu plano para sua própria glória. Ele transformou Noemi, chamou Rute das trevas para a luz, deixou Boaz diante de um desafio que o permitiu provar seu caráter piedoso e ser um reflexo do amor de Deus. Ele respondeu orações, nutriu esperanças e se manteve fiel às suas próprias promessas e alianças. Tudo isso e muito mais foi mostrado em uma curta história.
Também podemos observar que mesmo o mais comum dos momentos, as milhões de pequenas circunstâncias que fazem da vida o que ela é, cada um desses momentos únicos, é uma oportunidade para Deus trabalhar e uma oportunidade para confiar e servir a ele. No caminho para Belém, Orfa se separou de Noemi, se afastando de Deus e de Suas promessas, enquanto Rute jurou servir a Noemi e ao Deus de Noemi. Poderia ser um momento banal, mas foi um momento sagrado, de adoração. Rute foi trabalhar nos campos, a mais comum das tarefas, mas lá encontrou Boaz. Boaz foi aos campos supervisionar os trabalhos e viu uma estrangeira fazendo a mais banal das tarefas. E naquele momento, estendeu seu favor a ela; o mais normal dos momentos se tornou o mais significativo.
Dessas formas e de muitas outras, Deus usou pequenas circunstâncias para cumprir seus propósitos, para contribuir para o desenrolar de seu plano. Quando você acredita que Deus é soberano, você também deve entender que não há momentos comuns e insignificantes na vida. Boaz não tinha ideia de que ajudar Rute colher trigo o levaria a cumprir a necessidade de Noemi de um herdeiro. Cada momento, cada circunstância, é uma oportunidade de servir a Deus, de declarar sua fidelidade a ele, de proclamar sua confiança nas promessas dele. Isso é verdade quando trabalhamos e quando adoramos, quando encontramos nossos irmãos, quando olhamos nossos emails, quando jantamos, fazemos compras, temos filhos e tudo o mais que faz da vida o que ela é. Não podemos escolher os momentos e as circunstâncias que Deus vai usar para botar seu plano em prática. O que podemos fazer é sermos fiéis em cada momento que ele nos dá. Deus sempre está lá nos bastidores, trabalhando, se movendo, mesmo (ou talvez especialmente) quando não estamos vendo.
Isso é o livro de Rute sem o posfácio. Há muito para aprendermos. Mas, na realidade, há um posfácio que começa a mostrar o cumprimento de promessas ainda maiores de Deus. E vemos que o autor tem uma última carta na manga. Ela vem de forma estranha – na forma de uma genealogia – uma lista de nomes de pais e filhos. Esses versos praticamente dizem “ah, e por falar nisso, esse bebê, esse menino… é o avô do grande rei Davi”. Esse não é um bebê qualquer. Obede foi o pai de Jessé, pai de Davi, o rei.
Isso deve ter sido muito empolgante para as primeiras pessoas que leram esse livro. Rute provavelmente foi escrito durante o reino de Davi, quando algumas pessoas contestavam sua realeza, e a história revela que, apesar de sua bisavó ser uma Moabita, ela era Israelita em um sentido muito mais verdadeiro. Não é só uma história abstrata, mas a história da família do rei. O rei que é digno de sua vocação. Digno do trono. Um verdadeiro israelita. Um verdadeiro rei.
O Senhor manteve sua aliança, continuou a abençoar seu povo. Ao ponto de dar a eles um rei que iria levá-los além da era dos juízes e governá-los como o representante do Senhor, conforme o Rei Divino declarou: “um homem segundo o meu coração”.
Isso é fantástico. Não deixemos de nos surpreender com isso. Noemi, Rute e Boaz estão ligados ao rei, são todos parte da realeza. Isso é uma grade surpresa ao fim da história, mas não é tudo. É uma resposta à necessidade de Noemi de ter um herdeiro, mas não responde às suas mais profundas necessidades. Noemi era uma pecadora, uma pessoa em rebelião contra Deus. Por melhores que Rute e Boaz fossem, eles também eram pecadores, também estavam em rebelião contra Deus. A necessidade de Noemi de provisão, de um herdeiro para perpetuar o nome da família, de ter uma terra e uma família – todas essas coisas eram apenas sombras e símbolos de sua necessidade muito mais profunda. Ela precisava de mais do que um herdeiro; ela precisava de um Salvador, alguém que pudesse reconciliá-la com Deus.
Então por que somos deixados com uma genealogia, uma lista de pais e filhos? Nós temos a tendência de pular essas partes da Bíblia, não é mesmo? Mas talvez simplesmente não tenhamos tirado tempo o suficiente para pensar sobre elas, para realmente entendê-las.
Há uma genealogia no Novo Testamento, no livro de Mateus, que repete essa mesma genealogia de Rute, mas a amplia. É muito maior, e esse trecho de Rute se encaixa bem no meio. Ela começa com Abraão. Vai de Abraão para Isaque, Jacó, Judá, Perez e segue por Esrom, Arão, Aminadabe, Naason, Salmom e Boaz. “Boaz gerou Obede, cuja mãe foi Rute”, diz o texto. E de Boaz e Rute, vai para Obede, Jessé e Davi, o rei – o rei de Israel. Mas ela não para aí. Ela continua. Davi gerou Salomão, pai de Roboão, pai de Abias, e por aí vai, geração após geração, passando por Josafá, Jorão, Usias, Acaz, Ezequias, chegando a Zorobabel, Azor e a um homem chamado Eleazar, que gerou a Matã, pai de um homem chamado Jacó, que gerou a José, marido de Maria, a mãe de Jesus, chamado de Cristo, ungido, Messias, Salvador, eterno Rei, Rei imortal, Rei invisível, Rei dos Judeus, Rei das nações, Rei dos reis, Senhor dos Senhores, Senhor da glória, Senhor sobre todos, Redentor.
E aí está, a melhor surpresa de todas. Aqui está o cumprimento supremo das melhores promessas, a mais profunda resposta de Deus para as nossas mais profundas necessidades. É aqui que temos vantagem sobre o povo que leu o livro de Rute pela primeira vez. Para entender o livro você precisa se colocar no contexto deles, na mente deles, para ver a história com os olhos deles. Mas agora eles querem olhar com os nossos olhos, para aprenderem como a história realmente termina. Eles viram a grande surpresa de que Rute e Boaz eram os bisavôs do rei. Mas o que eles não podiam ver – mesmo que talvez suspeitassem, esperassem ou ansiassem – é que dessa linhagem, dessas pessoas, viria o Messias, o supremo, completo e final resgatador.
E quando você entende isso, a história explode em significado e importância. Agora nós entendemos – a verdadeira necessidade, a verdadeira fome, a verdadeira realização, a verdadeira Noemi, o verdadeiro Boaz, o verdadeiro herdeiro, o verdadeiro Filho, o verdadeiro resgatador. É Jesus a grande surpresa no final da história, o grande clímax, o grande herói, a grande resposta para todas as orações e clamores, a mais profunda resposta para a maior necessidade. É tudo dele, por ele e para ele.