O Papa acaba de encerrar sua visita ao Brasil, e três diferentes histórias relacionadas à viagem dominaram notícias de religião da semana que passou. Primeiro, ele declarou que seguir suas atualizações no Twitter durante a Jornada Mundial da Juventude ajudaria a conquista de indulgências. Depois, ele celebrou uma missa para 3 milhões de pessoas e, por fim, declarou que “se uma pessoa é gay […] quem sou eu para julgá-la?”.
É um baita ciclo de notícias, mas dificilmente uma novidade.
Se você não está familiarizado com as diferenças entre o Catolicismo e o evangelho, aqui vai uma lição de teologia em um parágrafo, seguida de uma lição de história em um parágrafo: a Igreja Católica Apostólica Romana ensina que as pessoas podem ser salvas do inferno por meio de uma combinação de fé e obras (obras energizadas pela fé, caso queira). Claro, a salvação do inferno é apenas uma parte da história porque, de acordo com a ICAR, após a morte a sua alma vai para o purgatório, onde o pecado que ainda restar será purgado por meio de sofrimento e tormento. A diferença entre o purgatório e o inferno é apenas de duração e, claramente, a doutrina do purgatório não é compatível nem com o mais rudimentar entendimento do Novo Testamento.
Em 1500, um sacerdote católico chamado Martin Lutero aprendeu grego, conseguiu um Novo Testamento (a igreja havia proibido a tradução das Escrituras para qualquer linguagem que o povo soubesse) e comparou o que ele encontrou lá com as práticas da Igreja Católica. Ele viu as diferenças e, no processo de enumerá-las, foi confrontado por um vendedor de indulgências. Era uma prática da Igreja Católica daquela época (e de agora também, quem diria) a venda de indulgências – em outras palavras, reduzir o tempo que você passaria no purgatório baseado em Certificados que você comprava. Lutero ficou espantado com o conceito das indulgências e escreveu 95 razões pelas quais elas eram falsas e porque a Igreja Católica havia abandonado o evangelho. Com isso, começou a Reforma.
Quinhentos anos depois, não mudou muito dentro do catolicismo. Nos idos de 1500, você poderia comprar uma indulgência para alguém que já havia morrido (imagine a campanha publicitária: “você amava muito sua vovozinha, não amava?”). Agora isso é restrito aos vivos, mas o conceito é o mesmo.
Se você aceita os pilares básicos do catolicismo – que você conquista sua salvação por obras, que o Papa é infalível em suas doutrinas e que os sacramentos são a essência da vida espiritual – então as indulgências fazem total sentido. E uma vez que você aceita o conceito dos méritos das obras, qual é o absurdo das indulgências? Se você pode comprar uma indulgência para seu filho (eu tenho um amigo que ganhou uma de presente de formatura), por que você não pode comprar uma para si mesmo? E se você pode conseguir uma para si mesmo por dinheiro, por que você não poderia conquistar uma por meio de outras obras também? Como, digamos, orar pelo Papa? E, se isso funciona, então certamente reproduzir as mensagens do Papa no Twitter é, mais ou menos, a mesma coisa.
Após a notícia sobre o Twitter e as indulgências começar a circular na semana passada, o Vaticano rapidamente apontou as letras miúdas. Tempo reduzido no purgatório via rede social só se aplica se isso for acompanhado por fé, e estava restrito a acompanhar a Jornada Mundial da Juventude. O que leva à segunda notícia quente. Ao fim de sua estadia no Brasil, o Papa celebrou uma missa para 3 milhões de pessoas no Dia Mundial da Juventude. Eis o sistema sacramental plenamente exposto. O Papa ofereceu indulgências para aqueles que compareceram ao evento (ou para os que não puderam comparecer mas seguiam tudo pelo Twitter, e eu não estou inventando isso).
Isso é a confluência de tudo que há de mais católico: a oportunidade de orar pelo Papa, celebrar a missa e participar do Dia Mundial da Juventude, três coisas que tem méritos em si mesmas e que podem reduzir o tempo de purgatório. Com a promessa de tempo menor lá para os que compareceram, a multidão chegou aos 3 milhões. No vôo de volta, o Papa foi questionado sobre seus pensamentos a respeito do escândalo que estava sendo noticiado na imprensa europeia (essas notícias não chegaram aqui com tanta força), de sacerdotes abertamente homossexuais formando um lobby gay dentro do Vaticano. Enquanto os comentários do Papa foram tratados como última novidade, a verdade é que foram a mesma coisa que a Igreja Católica sempre ensinou. Isso é, não há problema em sacerdotes serem gays. A Igreja Católica historicamente distingue sacerdotes gays e sacerdotes homossexuais, não havendo muito problema com o primeiro grupo, e o segundo sendo apenas inconveniente.
Eu, pessoalmente, sou grato pelas notícias que vieram do Brasil na última semana. Quando Francisco se tornou Papa, isso trouxe à tona um ecumenismo há muito latente. Ouvi sobre pessoas que estavam confusas sobre as diferenças entre o catolicismo e o evangelho, e muitas se perguntavam se o novo Papa seria capaz de fazer uma ponte sobre a separação de Protestantes e Católicos.
Mas essa viagem ao Brasil mostrou que a separação ainda está lá. De um lado, um sistema de sacramentos, obras, indulgências e autoridade Papal. Do outros, o arrependimento da confiança nas obras – por mais energizadas que sejam – e, pelo contrário, confiança na obra consumada e completa de Jesus. A salvação é para aqueles que deixam suas obras e se voltam para o Senhor. O purgatório é uma mentira porque Jesus oferece perdão de pecados completo, e você não precisa segui-lo no Twitter para alcançá-lo.
Em outras palavras, as manchetes deveriam ter anunciado: “Notícia de última hora: o Papa ainda é católico”.