Perder Adão significa perder muito mais junto com ele. E isso se dá porque perder Adão provavelmente marca o início da perda de nossas Bíblias. Como o jardineiro que decide podar um arbusto e descobre que um corte agressivo em um determinado ponto causa um desequilíbrio, e isso requer mais cortes aqui e ali para restaurar a simetria e a proporção. Como Lloyd-Jones deixa claro, “a Bíblia é uma unidade. Devemos aceitá-la como um todo”. Toda a Escritura permanece de pé ou cai. Uma vez que o primeiro corte é feito, não há como dizer quanto cortes a mais virão até que o homem com a tesoura esteja satisfeito.
Quais são alguns dos cortes específicos que podem vir quando perdemos Adão? O que, nesse sentido, cai junto da figura histórica de Adão? Quando a criação e a Queda são abaladas, o que é derrubado junto com elas?
Perder Adão significa perder minha dignidade. Como filho de Adão, sei que sou feito à imagem de Deus. O fato de Adão ter sido criado de forma distinta, à parte das outras criaturas, para um propósito particular e com uma mordomia específica, estabelece não apenas a minha dignidade, mas a de todo ser humano. Perder Adão pode significar, a princípio, perder terreno na luta contra o tráfico sexual, aborto, escravidão e uma miríade de outras esferas em que a convicção do valor humano é a razão para a manifestação dos cristãos. Isso significa perder o senso de vocação que vem de sermos criados como mordomos de Deus aqui na terra.
Perder Adão significa perder minha humanidade. O que significa ser homem e, por extensão, mulher, está enraizado na criação do primeiro homem e da primeira mulher. E atrelado a isso está toda a construção do casamento. Não é por acidade que quando o Senhor Jesus Cristo e o apóstolo Paulo falam sobre a questão do casamento, eles refletem sobre a criação. Perder Adão significa perder a base sólida para o complementarismo, com seu padrão divinamente ordenado para relacionamentos que se originou lá no começo da vida humana.
Perder Adão significa que eu não tenho mais nenhuma explicação adequada para a pecaminosidade da minha alma ou da raça humana. Adão como um tipo genérico de ser humano não provê essa fundação. Apenas Adão explica propriamente como o pecado e a morte entraram no mundo. Perder Adão significa que eu não tenho um ponto fixo sobre o qual posso interpretar a miséria da humanidade perdida em seus pecados e a realidade terrível da morte espiritual e física, pois “assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Romanos 5.12). Eu perco aquilo que faz o mundo como é ter sentido, cheio de pessoas como eu, cujos corações são, por natureza, completamente inclinados ao pecado, e assim eu perco a necessidade de expiação.
Perder Adão significa perder esperança, pois a minha identificação com Adão como um homem condenado encontra seu complemento bíblico na minha identificação com Cristo, o último Adão, como um homem redimido. Adão “prefigurava aquele que havia de vir” (Romanos 5.14) – todos os paralelos e construções divinamente inspirados nos quais minha salvação encontra sua forma e sua substância são perdidos se um Adão histórico é perdido. “Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo”, escreveu o apóstolo em 1 Coríntios 15.22. Mas se não há um Adão relacionado à minha morte, como eu posso ter confiança de que meu relacionamento paralelo com Cristo assegura minha vida? Se não há imputação do pecado de Adão, por que deveria haver uma imputação da justiça de Cristo? Não posso ter um sem o outro. A famosa ilustração de Thomas Goodwin ilumina essa preocupação: se há, em essência, no que tange o relacionamento de Deus com o mundo, apenas dois homens no mundo inteiro, dois gigantes em cujos cintos estão pendurados todos os outros indivíduos, então o que eu devo fazer quando um desses gigantes repentinamente é retirado da equação? De uma hora para outra, a existência do outro, especificamente nesse relacionamento da solidariedade soteriológica, começa a parecer meio obscura. Se um é apenas um conto de fadas ou um símbolo, o que fazer com o outro?
Mas perder Adão significa perder não apenas minha esperança presente, mas também minha esperança futura. Se não há nenhum homem terreno cuja imagem eu carrego, que expectativa confiante eu tenho de um dia carregar a imagem do homem celestial? Os paralelos mais uma vez demandam que, ou por ter compartilhado a natureza terrena de Adão eu irei – unido com Cristo – um dia compartilhar sua natureza celestial, ou o meu abandono de um Adão histórico deve me levar a um abandono completo da minha expectativa de uma ressurreição física em Cristo Jesus. Não apenas isso, mas se a Queda cai com Adão, que tipo de restauração eu poderia aguardar? Não há, talvez, nada para ser restaurado. A criação não geme pela redenção sob o peso da transgressão porque nenhum Adão transgrediu, e se não temos nada para aguardar na consumação da nossa redenção, então a criação não geme ou geme em vão. O que será da nova criação se perdemos a velha? Que esperança de novo céu e nova terra na qual a justiça habita se a antiga não tem nenhum Adão histórico que teve uma Queda histórica? Me é dito que devo esperar por um momento em que, em um piscar de olhos, seremos transformados. Devo reinterpretar que isso na verdade significa uma progressão gradual de milhares de séculos rumo a um estado celestial?
Se eu quero saber quem e o que eu sou, perante Deus e pela intenção divina, como um homem redimido com a esperança da glória de Cristo, então eu preciso de um Adão histórico. De certa forma, ele retrata todas as necessidades que Cristo supre. De outra, ele provê os requisitos que Cristo cumpre e a base sobre a qual Cristo opera. Em ultima instância, se eu perco o primeiro Adão, eu perco o segundo e último Adão. Perder Adão significa perder Cristo.