Rob Bell sobre Jesus: mau, indecente e sem coração

Luis Henrique de Paula

O pastor Rob Bell, fundador e antigo líder da megaigreja emergente Mars Hill Bible Church (que não é a Mars Hill de Mark Driscoll), é o protagonista das páginas amarelas da revista Veja dessa semana. A circulação dessa entrevista pelo Facebook, conforme divulgada no site da editora Sextante (que publicou o livro “O Amor Vence” de Bell no Brasil), chamou a atenção de muita gente — inclusive a minha. A obra citada traz uma nova defesa de uma velha heresia conhecida como “universalismo”, já refutada pesadamente pelo cristianismo histórico, que nega a existência do inferno e advoga a salvação de todos os homens independente da sua relação com Cristo, do arrependimento ou da fé e submissão à mensagem do evangelho.

Retirei alguns trechos da entrevista para fazer alguns comentários e observações. O ponto principal de toda a minha argumentação é a breve contraposição dos argumentos principais de Bell e a citação de versos bíblicos em que Jesus apresenta um ensino diametralmente oposto. Logo abaixo dessas antíteses, condensei algumas ponderações acerca do pensamento de Bell e de boa parte daqueles que se dizem evangélicos, mas convivem com o espírito da nossa época e seguem nos trilhos do engano da heresia de Bell, ainda que sem perceber. Pontos como antinomia, rejeição doutrinária e contradição das Escrituras serão frequentemente listados, e, são de fato, o terreno em comum com a pós-modernidade no qual muitos levantam edifícios “contra o conhecimento de Deus” (2 Co 10:5).

“Acho que o problema de muitas igrejas é que elas falam com extrema autoridade sobre aquilo que todos nós, elas inclusive, desconhecemos. Vamos pelo menos ser honestos. Ninguém sabe o que acontece quando morremos. Não tem fotografia, não tem vídeo.”

Aquilo que “ninguém conhece” de Rob Bell é apresentado de outra forma por Jesus, quando fala do destino pós-morte de dois homens. Parece que o ‘problema de muitas igrejas’ é ensinar e crer naquilo que Cristo ensinou claramente. “Chegou o dia em que o mendigo morreu, e os anjos o levaram para junto de Abraão. O rico também morreu e foi sepultado. No Hades, onde estava sendo atormentado, ele olhou para cima e viu Abraão de longe, com Lázaro ao seu lado. Então, chamou-o: ‘Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda que Lázaro molhe a ponta do dedo na água e refresque a minha língua, porque estou sofrendo muito neste fogo’” – Lucas 16:22-24.

“Para mim, é incompreensível um cristão que não considera a salvação universal como a melhor saída, a melhor história. Para mim, acreditar nisso é um dever de qualquer pessoa boa, decente, com um coração no peito”.

Por implicação, Jesus Cristo foi uma pessoa má, indecente e sem coração. Foi o próprio Senhor que nos garantiu que haverá uma separação entre os “benditos de seu Pai” e os “malditos” que vão para o “fogo eterno” (Mt 25:34,41). Ele mesmo garantiu a separação entre tipos de pessoas, representadas por ovelhas e bodes (Mt 25:33) e ainda nos alertou sobre uma porta estreita, pois o caminho largo para a perdição seria trilhado por muitos (Mt 7:13).

“Se estamos levando a sério a mensagem de Jesus sobre o amor de Deus por todos nós, a salvação universal deve ser o ponto de partida.”

Se estamos levando a sério a mensagem de Jesus sobre o amor de Deus, a salvação universal só é possível se Deus for esquizofrênico e acabou mudando de posição de 2000 anos pra cá. A mensagem do amor de Deus anda lado a lado nas Escrituras com a realidade de uma condenação eterna, consciente e literal após a morte, que será experimentada por muitos indivíduos.

“… tive alguns encontros profundos, meus, pessoais, com o amor de Deus que me estremeceram e tiveram sobre mim um impacto, digamos, pré-cognitivo. Por isso, nunca fiquei preocupado com sistema doutrinário, nunca me empenhei em ter comprovação do meu dogma. Isso não me preocupa.”

O acumulo de confusões de Bell se avoluma aqui.

Primeiro, ele afirma a realidade de experiências pré-cognitivas que ele declara serem reais e terem manifestado o amor de Deus. Afinal como ele sabe disso? Como ele sabe que era o amor de Deus? Como ele tem certeza da veracidade dessas experiências? Existe alguma diferença entre uma experiência pré-cognitiva (ou sei lá o que signifique isso) e uma dor de dente? Como é possível saber que era uma experiência com o “amor”, e ainda por cima “de Deus”? O subjetivismo dessas experiências, e o fato de não serem proposicionais, descarta qualquer possibilidade de apresentá-las como verdade. (Nota do editor: e blinda as experiências como situações acima de crítica)

Segundo, e o que mais espanta, é o fato dele dizer que nunca se preocupou com formulação doutrinária, e ainda escrever um livro inteiro sobre a rejeição da doutrina do inferno. Se ele não se preocupa com essas formulações, por que apresentá-las de forma argumentativa em sentenças, parágrafos e capítulos? A conclusão é óbvia: em cada livro e também nessa entrevista, Rob Bell está formulando e apresentando o seu dogma, o seu sistema doutrinário.

“O Deus sobre o qual Jesus falou não seria capaz de ferir alguém.”

“E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo.” – Mt 10:28.

“E irão estes para o tormento eterno, mas os justos, para a vida eterna.” – Mt 25:46.

CONFUSÃO, CONTRADIÇÃO, PÓS-MODERNIDADE E O PENSAMENTO DE BELL

Vou ser sucinto e listar brevemente os problemas da abordagem de Bell percebidos nessa entrevista.

Primeiro, uma epistemologia (teoria do conhecimento) pós-moderna e não bíblica. Quando as sensações ou os sentidos são a base para a argumentação teológica em detrimento da Escritura, e o uso dessas premissas (“Não temos vídeos ou fotografias”, “Uma pessoa boa não poderia..”, etc) substitui o “Assim diz o Senhor”, o resultado é necessariamente uma conclusão antibíblica e anticristã. Não é possível continuar cristão sem o fundamento das Escrituras como padrão para a verdade.

Segundo, a implicação do argumento de Bell é óbvia, quando fazemos a mesma pergunta retórica usando as questões: “quem viu Deus?” e: “onde estão os vídeos ou as fotografias dele?”. Se tal argumento serve para o pós-morte, por que não levá-lo adiante e tornar-se ateu de uma vez por todas? Afinal, se a Confissão de Fé Batista de Londres de 1689, está certa em declarar que Deus “é um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, membros ou paixões; o único que possui imortalidade, habitando em luz inacessível, a qual nenhum homem é capaz de ver;” qual a fotografia ou vídeo no Youtube que torna possível esse conhecimento?

Terceiro, existe um problema de contradição das Escrituras e da lógica pela qual compreendemos as escrituras e a mensagem de Deus, que mostra o aspecto antiteológico (a rejeição do conhecimento unívoco de Deus), antidoutrinário (a rejeição de formulações proposicionais objetivas sobre Deus) e consequentemente antinômico (a rejeição do conhecimento das leis e da vontade prescritiva de Deus) das afirmações de Rob Bell. Tal contradição de elementos fundamentais da fé cristã se tornam óbvios para qualquer cristão sério; mas, como o sistema de pensamento de Rob Bell ignora o raciocínio bíblico, sistemático e doutrinário, e por implicação, a lei da não-contradição para a formulação de qualquer dos seus argumento téo-“lógicos” (?), isso significa que Bell não terá uma dor de cabeça ou uma noite mal dormida quando alguém chama-lo de contraditório. Talvez a melhor resposta desse tipo de antiteologia é argumentar que estão tentando dogmatizar sua posição e por isso as contradições aparecem. Logo, o dogma se mostra sempre mau, o que permite ao “teólogo” pós-moderno viver na irracionalidade, contradição e no paradoxo lógico sem qualquer aborrecimento ou constrangimento.

Quarto, temos consequências práticas desastrosas, pois vemos que a posição defendida por Rob Bell é palatável e atraente ao homem natural que rejeita e odeia qualquer manifestação da justa ira santa e vindicativa de Deus; é o suficiente para obscurecer ainda mais o entendimento obtuso dos inimigos da fé e dos vacilantes e incautos dentro das igrejas que poderão segui-lo. A sutil estrada para o inferno, como ilustrada por C.S. Lewis — sem curvas perigosas, sem grandes declives –, parece agora perder mais uma placa de sinalização para aqueles que seguem seu curso e dão ouvidos à mensagem herética de Rob Bell. Sem punição judicial não resta nenhum espaço para o evangelho ou a notícia de que o filho de Deus se fez maldição no lugar de pecadores, recebendo ali a sua culpa e condenação (vivendo o inferno, o tormento consciente e fulminante de Deus naquela Cruz) para trazê-los de volta a Deus e dar prova do seu amor para conosco.

Levar a sério os argumentos de Rob Bell é solapar todo o fundamento do cristianismo histórico.  Mas ao mesmo tempo as contradições são tantas que nem mesmo é possível edificar qualquer coisa que se pareça com um sistema religioso de vida e pensamento sustentável à luz do exercício da razão. Ao negar fundamentos da fé cristã Rob Bell não consegue fornecer nenhum solo seguro para seu sistema de pensamento. Isso se dá por que simplesmente não existe outro fundamento verdadeiro além do fundamento cristão.

ESTABELECENDO O FUNDAMENTO CRISTÃO

“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor. No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito.” – Efésios 2.20-22

Ao contrário de muitas tendências teológicas de hoje, há séculos a teologia protestante vincula o ministério pastoral ao serviço à palavra de Deus. Nas tradições reformadas, o termo Verbi Divini Minister, “servo da Palavra de Deus”, é não apenas a descrição do ofício maior do pastor, mas também um título; uma honraria e dignidade única de tal função para o homem em questão. Hoje em dia, tanto o status da Escritura, e consequentemente do ministério pastoral (ou vice-versa), parecem submeter-se a outros significados e outras importâncias. A escritura parece cada vez mais distante e desconexa do “ministro”, e os desvios doutrinários minam cada vez mais a posição e significado da autoridade da Bíblia na igreja. Não se trata apenas de uma corrosão de um sistema de pensamento estimado, mas de fato, é um sistema de pensamento valioso e venerado por evangélicos confessionais por que é a revelação da mente, propósito e vontade do próprio Deus. O testemunho bíblico de Cristo como Verbo, ou Palavra encarnada, do qual o cânon judaico testificava (como o próprio Jesus assevera), e sobre o qual os apóstolos tomaram por fundamento, nos assegura que rejeitar a revelação bíblica, seu significado e suas implicações, significa negar também a Cristo. Negar as afirmações e o modo de pensamento das Escrituras é assim uma afronta grave, não por que é uma rejeição das palavras ou da tradição de homens, mas por que é rejeitar aquilo que Deus diz, o seu testemunho sobre si mesmo, e consequentemente é uma rejeição do próprio Deus. Tal afronta tem se disseminado, muitas vezes, infelizmente, por meio de pastores, vulgos “ministros da Palavra”, que propagando teologias ilegítimas, negam tanto a veracidade da Palavra de Deus quanto sua subordinação a ela.

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