Ao longo de todas as cartas do Novo Testamento, o povo de Deus é chamado de muitas coisas. Eles são os “eleitos” (1 Pedro 1.1), “irmãos fiéis” (Colossenses 1.2), “amados” (1 João 2.7), “filhos de Deus” (1 João 3.2), a “nação santa” (1 Pedro 2.9) e, sobretudo, são chamados de “santos”.
Claramente ausente dessa lista está o termo “pecadores”. Não há um lugar que eu conheça em que o povo de Deus, a igreja, seja coletivamente chamado de “pecadores”. Além disso, um argumento pode ser feito de que não há um exemplo no Novo Testamento em que um crente é referido como um “pecador”. O mais próximo disso é a tão conhecida referência de Paulo a si mesmo como o “maior” (ou “chefe”) dos pecadores em 1 Timóteo 1.15. Mas o contexto deixa claro que Paulo usou essa terminologia para se referir à sua antiga vida enquanto perseguidor da igreja. Ele diz: “a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente” (1.13).
Agora, claro, isso não significa que cristãos não pequem. De fato, cristãos pecam e pecam em formas mais sérias e profundas do que eles, geralmente, imaginam. Essa é toda a questão de Romanos 7, em que Paulo lamenta o fato de que ele faz o que não que fazer. A vida cristã inteira é uma batalha entre o novo homem e o velho homem, e esse último, geralmente, ganha. Paul pode até falar de si como “desventurado homem” (Romanos 7.24).
Mas isso é que é interessante. Ao diagnosticar sua própria violação da lei, Paulo conclui que, sempre que peca, não é o verdadeiro Paulo que está fazendo isso. Ele declara: “Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim” (7.17). E, novamente: “Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim” (7.20).
Não interprete mal o que Paulo está dizendo aqui. Ele não está tentando invocar alguma desculpa em que ele não é culpado por esses pecados por ter uma personalidade esquizofrênica e dividida. Não, Paulo é culpado por esses pecados. Mas, no meio dessas atitudes, Paulo busca enfaticamente deixar claro que não é o novo Paulo quem está pecando e sim, o velho. Nesse sentido, ele pode dizer que, quando peca, ele não é o seu verdadeiro eu.
Colocando de uma outra forma, a identidade de Paulo está atrelada ao novo homem que ele se tornou em Cristo.
Se é assim, isso explica (pelo menos, parcialmente) porque Paulo é ávido em se referir aos crentes como “santos” no início de, praticamente, todas as suas cartas. Paulo não é ingênuo acerca do fato dos cristãos ainda pecarem, e pecarem em formas maiores (de fato, suas cartas são, por vezes, sobre esses pecados!). Mas ele quer que os cristãos pensem em si mesmos considerando suas novas naturezas, não as antigas. Eles são santos que, por vezes, pecam; não, pecadores que, às vezes, fazem o certo.
E, quando as nossas verdadeiras identidades são entendidas de forma correta, isso afeta a forma com que vemos (e respondemos) aos nossos pecados. Podemos pensar que a melhor forma de reconhecermos a profundidade de nossos pecados é pensarmos nós mesmos principalmente na categoria de “pecadores”. Mas isso pode, na verdade, causar o efeito oposto. Se pensamos em nós mesmos apenas como “pecadores”, então nossos pecados são vistos como algo comum e inevitável. Eles são apenas o resultado de quem nós somos. Claro, nós gostaríamos de não pecar. Mas é isso que “pecadores” fazem.
Se, em vez disso, virmos nós mesmos como “santos”, então começaremos a ver nossos pecados sob uma nova luz. Se nós somos mesmo os “santos”, então os pecados que cometemos são mais profundos, sérios e significativos desvios do chamado de Deus do que nós jamais percebemos. Nosso pecado, em um sentido, é mais hediondo porque está sendo feito por aqueles que tem agora uma nova natureza e identidade.
E é essa “dissonância cognitiva” entre nossas identidades enquanto santos e nossas ações pecaminosas que nos levam ao arrependimento. Nos arrependemos porque esses pecados não são ordinários e esperados. Eles são fundamentalmente contrários ao que Deus nos fez ser. É essa tensão entre nossas identidades e nossas ações que é perdida quando paramos de pensar em nós mesmos como santos.
Por fim, eu não estou sugerindo que cristãos não podem nunca referir a si mesmos com a palavra “pecador”. Se entendido de forma correta, tudo bem. Mas também devemos ser ávidos para pensar em nós mesmos como santos. Afinal, quando Cristo retornar, é isso que nós seremos. Na glória, não haverá pecadores. Apenas santos.