Em seu maravilhoso livro On the Shoulders of Hobbits [Sobre os ombros de Hobbits], Lou Markos tem algumas coisas profundas e belas para dizer a respeito da natureza do bem e do mal. Uma seção que se destacou em particular está no capítulo 15, “Cego pela luz”, em que ele expõe a incapacidade do mal de permanecer diante da luz do bem, ou até mesmo entendê-la. Markos desenvolve de maneira magistral essa realidade. Primeiro ele cita Tolkien em As Duas Torres, quando Gandalf explica a Aragorn porque Frodo e Sam tem qualquer esperança de atravessar Mordor para destruir o Anel:
Que poderíamos desejar destruí-lo e não colocar ninguém em seu lugar é um pensamento que não lhe ocorre. Que possamos tentar destruir o próprio Anel é algo que não entrou nem em seus sonhos mais escuros.
Markos prossegue e escreve sobre as verdades mais profundas de todas as obras de Tolkien:
A razão pela qual Sauron não imaginou o real propósito da Sociedade do Anel não é que ele seja um tolo ou mesmo que seja orgulhoso, mas é que ele simplesmente não conseguia conceber que alguém seria capaz de abrir mão de tal poder. Ele é completamente cego aos caminhos e motivações da bondade; tal Luz é brilhante demais para seus olhos tenebrosos contemplarem.
Pense nisso por um instante, nessa ideia das limitações do mal e do perverso. A incapacidade de Sauron de reconhecer um motivo bom, nobre, humilde e sacrificial foi sua queda. Ele não conseguiria conceber que alguém voluntariamente abriria mão de imenso poder ou disposto a arriscar a própria vida para fazê-lo, mas alguém o fez, na verdade, todo um grupo o fez. No fim, foi a incapacidade de Sauron de reconhecer o bem que levou ao fim do mal na Terra Média.
Quando li isso, todas as minhas leituras dos evangelhos vieram à mente. Por muito tempo tenho lido a vida, a morte e a ressurreição de Jesus como uma vida de vitória. Mas eu tenho lido como se fosse uma vitória em uma batalha, como se na cruz Satanás estivesse gritando “Nããããããoooo!” com sua voz de vilão, enquanto murchava em derrota. Eu via como uma luta “mano a mano” entre Jesus e Satanás, com Jesus finalmente vencendo. Essa não era necessariamente uma imagem mental consciente, mas era um senso que eu tinha. Quão errado eu estava.
O que Markos escreveu me mostrou claramente que a coisa mais inteligente que Satanás poderia ter feito para condenar o mundo à destruição era manter Jesus vivo. Mas, como Sauron, Satanás é incapaz de entender humildade, serviço e sacrifício. A humanidade necessitava de um sacrifício perfeito para pagar nossa dívida com Deus e, ao invés de manter esse sacrifício longe da cruz, Satanás estava mais do que disposto a colocá-lo lá. A moeda e a linguagem de Satanás são de poder e domínio; é por isso que ele quis que Jesus se ajoelhasse perante si no deserto. Ele só entende a busca da auto-realização e a conquista da autoglorificação. Satanás estava tão disposto a destruir o bem que não percebeu que estava sendo usado por Deus. Ao tentar alcançar a vitória sobre Jesus o matando, Satanás condenou a si mesmo.
A vitória de Deus sobre Satanás não foi uma luta épica de iguais, mas sim aaquele que é onisciente desenrolando um plano de salvação no qual Satanás se encaixou como a perfeita marionete, por conta de sua própria incapacidade de reconhecer o bem. Satanás, com todos os seus esforços de derrotar Jesus, garantiu a própria ruína – tudo parte do plano de Deus. Minha própria admiração pela sabedoria de Deus aumentou por conta dos lugares a que Lou Markos me levou nessas páginas, sobre os ombros de Hobbits.