Virgindade vital

por Kevin DeYoung
por Kevin DeYoung

Os relatos do nascimento de Jesus em Mateus (capítulo 1) e Lucas (capítulo 1-2) são claros e inequívocos: o nascimento de Jesus não foi normal. Ele não era uma criança normal e sua concepção não veio de uma maneira normal. Sua mãe, Maria, era uma virgem, não tendo nenhuma relação antes da concepção. Pelo Espírito Santo, o útero de Maria tornou-se o princípio da encarnação do Filho (Mt 1.20; Lc 1.35). Não é segredo que, na história recente, a doutrina do nascimento virginal (ou mais precisamente, da concepção virginal) é ridicularizada com um conto de fadas fictício por muitos de fora da igreja, e por não poucas vozes de dentro da igreja.

Por exemplo, um pastor, que provavelmente diria que não está tentando ridicularizar o nascimento virginal, ainda assim levanta suspeitas sobre este entendimento tradicional quando escreve:

Nós sabemos que (embora as histórias não sejam idênticas em outras culturas) a noção da concepção virginal de uma criança não é exclusiva do Cristianismo. Parece-me que manter uma crença firme na concepção virginal seria MUITO importante se a verdade literal da totalidade da Escritura estivesse próxima ao centro de nossas crenças. (Ainda que a má tradução da “jovem” de Isaías para “virgem” de Mateus seja bem conhecida).

Essas frases são uma boa representação dos dois argumentos que muitos usam para criar buracos no relato evangélico do nascimento virginal.

Primeiro, a profecia sobre um nascimento virginal em Isaías 7.14, argumenta-se, na verdade fala de uma jovem, não de uma virgem. (Para ser justo, alguns acadêmicos defendem isto sobre a profecia de Isaías e ainda creem no nascimento virginal). Muitos alegam que a palavra hebraica em Isaías é almah e não o termo técnico para virgem, bethula. É verdade que almah tem um campo semântico mais amplo que bethula, mas não existem referências claras no Antigo Testamento em que almah não signifique virgem. A palavra almah aparece nove vezes no Antigo Testamento e, onde o contexto deixa seu significado claro, a palavra se refere a virgem. Mais importante: a Septuaginta (tradução grega das Escrituras dos hebreus iniciada no século III a.C.) traduz almah pela palavra grega parthenos (a mesma palavra usada em Mateus 1.23, onde Isaías 7.14 é citado), e todo mundo concorda que parthenos significa “virgem”. Os tradutores judeus da Septuaginta não teriam usado uma palavra grega clara para virgem se eles entendessem Isaías 7.14 referindo-se a nada mais que uma mulher jovem.

Concept2-6Segundo, muitos levantam a objeção contra o nascimento virginal porque veem como um pouco de mitificação pagã. Eles argumentam: “Star Wars teve um nascimento virginal. O Mitraísmo teve um nascimento virginal. O cristianismo tem um nascimento virginal. Grande coisa, são todos apenas fábulas”. Esse é um argumento plausível à primeira vista, mas há alguns problemas com ele.

1. A suposição de que havia um Deus-Homem prototípico, que tinha certos títulos, realizou certos milagres, nasceu de uma virgem, salvou Seu povo, e então foi ressuscitado não é bem fundamentada. Na verdade, nenhum “herói” prototípico existiu antes da ascensão do Cristianismo.

2. Seria impensável para uma facção judaica (o que o cristianismo era inicialmente) tentar ganhar novos convertidos adicionando elementos pagãos em seu relato do Evangelho. Imagino que um bom judeu talvez forjasse uma história que se encaixasse no Antigo Testamento, enquanto misturar porções de paganismo teria sido anátema para muitos judeus.

3. O nascimento virginal não tem paralelos tão fortes quanto talvez pensemos. Considere três dos suspeitos comuns, Alexandre o Grande, Dionísio e Mitra. O biógrafo confiável mais antigo de Alexandre (muitos séculos depois de sua morte) não faz menção de um nascimento virginal. Além disso, a história que começou a circular (após o surgimento do cristianismo, é importante mencionar) é sobre uma concepção incomum, mas não um nascimento virginal (os pais de Alexandre já eram casados). Dionísio nasceu quando um deus (no caso, Zeus) disfarçou-se como um humano e engravidou uma princesa humana. Isso não é um nascimento virginal, e não é parecido com o papel do Espírito Santo que lemos nos Evangelhos. Mitra, um paralelo popular, nasceu de uma pedra, não de uma virgem. Além disso, o culto de Mitra no Império Romano data de depois da época de Cristo, portanto a dependência é do Mitraísmo em relação ao Cristianismo, e não o contrário.

Ao Guerreiro Grego, ao Deus Grego e ao culto de Mitra podemos adicionar Buda: sua mãe sonhou que Buda entrou nela sob a forma de elefante branco. Mas essa história não surgiu até cinco séculos depois de sua morte, e ela já era casada. Você pegou a ideia. Os supostos paralelos sempre acontecem bem depois da pessoa em questão, dentro da Era Cristã e não são realmente histórias de concepção virginal, de qualquer forma.

Mas isso importa?

Porém, mesmo entre aqueles que creem no nascimento virginal, algumas vezes se questiona se essa doutrina é realmente tão importante. Por exemplo, outro pastor argumentou, no que se tornou um trecho muito bem conhecido, que o nascimento virginal pode não ser assim tão essencial. “O que aconteceria se Jesus tivesse um pai terreno chamado Larry?”, ele pergunta. O que aconteceria se o nascimento virginal foi encaixado para gerar apelo entre os seguidores dos cultos religiosos de Mitra e Dionísio? O que aconteceria se a palavra para virgem referisse a uma criança cuja mãe engravidou após sua primeira relação sexual? Ele sugere que nada disso seria catastrófico. “O que aconteceria se isto [o nascimento virginal] fosse seriamente questionado? Poderia uma pessoa prosseguir? Poderia alguém ainda amar a Deus? Você poderia ainda ser cristão? O caminho de Jesus ainda é a melhor maneira possível de viver?”

A virgindade de Maria importa?
A virgindade de Maria importa?

Há um monte de questões aqui, mas a fundamental parece ser esta: o nascimento virginal é realmente tão essencial ao cristianismo? A resposta, apesar da insinuação deste pastor¹, é um retumbante “Sim!”.

Primeiro, o nascimento virginal é essencial ao Cristianismo porque tem sido essencial ao Cristianismo. Isso pode soar como argumento circular, mas somente se não nos importarmos em nada com a história e a catolicidade da igreja. Certamente a igreja pode entender errado as coisas, algumas vezes até por muito tempo. Mas, se cristãos, de todos os tipos em todos os lugares, professaram a fé no nascimento virginal por dois milênios, talvez devêssemos ser menos apressados em considerar como algo sem consequências. Em seu estudo definitivo sobre o nascimento virginal, J. Gresham Machen conclui que “não pode haver dúvida de que no final do século II, o nascimento virginal de Cristo foi considerado como parte absolutamente essencial da fé cristã pela igreja cristã em todas as partes do mundo conhecido”. Talvez, então, não devamos ser tão rápidos em rejeitar a doutrina como um elemento “pegar ou largar” da fé cristã.

Segundo, os escritores dos Evangelhos claramente acreditavam que Maria era uma virgem quando Jesus foi concebido. Não sabemos exatamente como o Cristo infante veio a estar no útero de Maria, exceto que a concepção veio “do Espírito Santo” (Mateus 1.20). Mas sabemos que Maria entendeu a natureza miraculosa da concepção, perguntando ao anjo: “Como se fará isto, visto que não conheço homem algum?” (Lucas 1.34). Os evangelhos apresentam o nascimento virginal como uma “narração ordenada” da história real pelos olhos de testemunhas (Lucas 1.1-4). Se o nascimento virginal é falso, a confiabilidade histórica dos Evangelhos está seriamente enfraquecida.

Terceiro – isto concorda com o Catecismo de Heidelberg, Domingo 14 – o nascimento virginal demonstra que Jesus era verdadeiramente humano e verdadeiramente divino. Como pode o nascimento virginal ser uma afirmação inconsequente para nossa vida quando estabelece a própria identidade de nosso Senhor e Salvador? Se Jesus não nasceu de um ser humano, não podemos crer em sua humanidade completa. Mas se o seu nascimento fosse como qualquer outro nascimento – por meio da união de pai e mãe humanos – questionaríamos sua completa divindade. O nascimento virginal é necessário para assegurar tanto a natureza humana verdadeira quanto uma natureza completamente divina.

Quarto, o nascimento virginal é essencial porque significa que Jesus não herdou a maldição da depravação que assola a raça de Adão. Jesus era como nós em todos os sentidos, exceto pelo pecado (Hb 4.15, 7.26-27). Todo pai humano gera um filho ou uma filha com sua natureza pecaminosa. Podemos não entender completamente como isso funciona, mas é como o mundo é após a queda. Pecadores geram pecadores (Salmo 51.5). Sempre. Portanto, se José fosse o pai verdadeiro de Jesus, ou Maria estivesse dormindo com Larry, Jesus não seria imaculado, nem inocente, nem perfeitamente santo. E, como resultado, não teríamos mediador, nem a imputação da justiça de Cristo (porque ele não teria justiça para imputar em nós), e nem salvação.

Portanto, sim, o nascimento virginal é essencial à nossa fé.

Notas
¹ O pastor citado é Rob Bell (N.T.)

Traduzido por Josaías Jr | iPródigo