Algumas semanas atrás, postei um terceiro princípio de fidelidade ao ministério do Evangelho a partir de 2 Coríntios 4. Se o Evangelho está encoberto para aqueles que se perdem (2 Co 4.3), e se o problema que estamos tentando resolver é a cegueira do mundo para a glória (2 Co 4.5), então nossa tarefa é pregar uma mensagem que é poderosa o suficiente nela mesma para superar essa cegueira. Paulo nos conta que essa proclamação não é nós mesmos, mas Cristo Jesus como Senhor (2 Co 4.5).
Ainda assim parece que muitos pastores, igrejas e cristãos não entenderam as implicações destes princípios. Lamentavalmente, muitos na verdade pregam eles mesmos. Acredito que seja porque temos um mal-entendimento fundamental sobre o nosso papel. Muitos pregadores evangélicos se veem como oradores ao invés de arautos.
Para nos ajudar a ver a diferença, quero reproduzir vários trechos de um capítulo do livro “Engolindo nosso orgulho: um tratado sobre a loucura da pregação”, de Duane Litfin. Ele está em Pregue a Palavra, um livro sobre pregação expositiva em memória de R. Kent Hughes. Nesse capítulo, Litfin examina a noção largamente aceita de que 1 Co 1.24 fala apenas sobre a loucura da mensagem pregada mas não sobre o método de pregação propriamente dito. Ele contrasta o antigo keryx, ou arauto – isto é, aquilo que o Novo Testamento chama os pregadores a serem – com o orador do qual Paulo se esforçou tão diligentemente para se distanciar (1 Co 1.17-2.5).
Ao mapear a Grande Equação da Retórica, Litfin demostra que é o orador que era guiado pela audiência e pelos resultados (p.117) – como muitos de nossas celebridades consumistas no púlpito – enquanto o arauto era guiado pela obediência e metodologicamente comprometido com sua teologia (p.121). Em dias onde supomos que podemos manter nossa teologia em uma mão fechada, mas nossa metodologia em uma mão aberta, Litfin demonstra que Paulo evitou tal entendimento por temor de que a fé de sua congregação se apoiasse na inteligência, sabedoria e habilidade dos homens ao invés do poder de Deus (p.122, 1 Co 2.5). Ao contrário, o método de Paulo era clara e cuidadosamente determinado por sua teologia.
Apesar de um pouco maior que um post normal, incluo essas longas citações porque estou confiante de que elas irão beneficiá-lo. O número da página está depois de cada citação.
O Orador Greco-Romano
“O treinamento em retórica Greco-Romana formava a coroa da educação liberal no mundo antigo, e os oradores que ela produziu tornaram-se as celebridades da época. O povo do primeiro século amava a eloquência e idolatravam aqueles que podiam produzi-la. Eloquência era talvez a forma primária de entretenimento, e era muito presente em todo o Império Romano. As audiências consistiam de ávidos e sofisticados ouvintes que sabiam do que gostavam e do que não gostavam. Mas os oradores estavam dispostos a arriscar sua própria satisfação para ganhar a aprovação da audiência e as recompensas que a acompanhavam.
O treinamento de um orador era uma coisa maravilhosamente complexa… Mas quando todo o resto é deixado de lado e a essência da teoria da retórica Greco-Romana é revelada, descobrimos que a educação da retórica antiga era elaborada para treinar um orador na arte da persuasão. No melhor dos casos, o estudo da retória não era sobre como compor uma prosa com propósito, muito menos como manipular uma audiência. Ela se tratava da descoberta e entrega de ideias e argumentos que produziriam alguma crença nos ouvintes. Dada essa audiência e esse tema, como eu posso conseguir os resultados desejados? Essa era a questão que o persuasor era treinado em perguntar e responder, e a medida de sua habilidade era o quanto ele poderia fazer isso com sucesso, qualquer que fosse a situação retórica que estivesse enfrentando.” (p.116).
O Orador adapta sua mensagem para sua audiência a fim de atingir os resultados desejados
“A audiência era dada para o orador. Geralmente o orador não podia fazer muita coisa para escolher seus ouvintes. O ponto, ao invés disso, era adaptar aquilo que lhe foi dado para atingir seus objetivos, o que nos leva ao lado oposto da equação [da retórica]: os resultados.” (p.116-117)
“O persuasor deveria ser capaz de adaptar seu trabalho de todas as maneiras possíveis para obter esse resultado com essa audiência, e toda sua educação retórica era elaborada para treiná-lo em como fazer isso. Era sua capacidade em adaptar-se a si mesmo e a seu trabalho para essa situação e audiência específica que faziam a equação retórica funcionar.” (p.117)
“O papel do persuasor era guiado tanto pela audiência quanto pelo resultado. Uma vez definidos, os resultados desejados governavam a equação. É por isso que tanta atenção era dada na literatura da retórica antiga à psicologia da audiência, seus sistemas de crença, aquilo que gostavam e aquilo que não gostavam, e o que era necessário para conseguir respostas específicas deles.” (p.117)
“Dado que ele não era metodologicamente obrigado ou restringido… a mensagem era elaborada pelo persuasor, e ele próprio era a quem deveria ser dado crédito ou culpa pela mensagem ter atingido os efeitos desejados ou não.” (p.117)
O arauto Greco-Romano
Do artigo sobre keryx do Dicionário Teológico do Novo Testamento, arauto: Arautos “entregavam suas mensagens da forma como elas eram entregues para eles. O ponto essencial do relatório que eles davam era que a mensagem não teve origem neles. Por trás havia um poder maior. O arauto não expressava seu próprio ponto de vista. Ele era o porta-voz do seu mestre… Arautos adotavam a mente daqueles que os comissionavam, e agiam com a total autoridade de seus mestres…
Não era usual para um arauto agir por sua própria iniciativa e sem instruções explíticas. Na maior parte das vezes o arauto dava simplesmente mensagens curtas, colocava perguntas e trazia respostas… Ele era limitado pelas precisas instruções daquele que o havia comissionado. O bom arauto não se envolvia em longas negociações, mas retornava assim que ele havia entregue sua mensagem… Geralmente ele é simplesmente um instrumento executivo. Sendo apenas a boca de seu mestre, ele não deveria falsificar a mensagem confiada a ele adicionando algo por conta própria. Ele deveria entregar exatamente o que lhe foi dado… deveria manter estritamente as palavras e ordens de seu mestre.” (p.118)
O Arauto: Guiado pela Obediência, Metodologicamente Comprometido
“Longe de ser uma variável dependente e completamente maleável, a mensagem do arauto era definida por outro. Era exigido que não fosse de modo nenhum uma variável, mas sim uma constante – foi dada a ele uma mensagem por aquele que ele representava e era sua tarefa entregá-la acuradamente e de forma clara à sua audiência designada. E os resultados? Ao invés de uma variável independente, definida pelo arauto, os resultados acabam por se tornar a variável dependente da equação. O arauto não podia retoricamente manipular para atingir algum efeito particular. Seu destino era entregar sua mensagem e então observar o que aconteceria.” (p.118-119)
“Diferente do orador, o arauto não era guiado pelos resultados; ele era guiado pela obediência. Era um homem debaixo de uma missão, metodologicamente comprometido, por assim dizer, restrito a tarefa de anunciar.” (p.119)
Os Coríntios queriam um Orador, mas Paulo era um Arauto
“Os coríntios criticavam Paulo porque ele não era, se parecia ou se comportava como os oradores que eles tanto reverenciavam. Mas Paulo se considerava um arauto comissionado por Cristo, não um persuasor, e ele entendia o suficiente de eloquência retórica Greco-Romana para saber a diferença. Assim, ele escreveu os primeiros capítulos de 1 Coríntios para explicar aos coríntios porque a crítica deles era equivocada e porque, por razões teológicas, o papel mais limitado do arauto era sua única opção metodológica.” (p.121)
“Talvez Paulo algumas vezes tenha sido tentado a se deslocar para o papel de persuasor (especialmente, como alguns tem defendido, durante sua infeliz experiência em Atenas), mas ele resistiu tanto ao impulso porque ele estava preocupado com a possibilidade de esvaziar a cruz do poder dela ao apresentá-la com falsos resultados centrados no homem (1 Co 1.17). Como em todo o lugar, Paulo focou sua pregação em Corinto na proclamação direta de um arauto, de forma que a fé dos coríntios não ‘se baseasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus (1 Co 2.5 NVI).” (p.122)
“Em contraste com o persuasor, Paulo aborda a equação perguntando não O que eu quero realizar?, mas O que Deus me chamou para ser e fazer? Então ele se volta para o ser e o fazer (1 Co 1.13-17). Como um arauto, seu trabalho não é guiado pelos resultados nem pela audiência; é guiado pela missão, guiado pela obediência (1 Co 4.2). E Paulo é radicamente determinado a não se deixar levar pelos resultados.” (p.123)
Uma Mensagem Louca através de um Método Louco
“Deus não tolerará nenhum orgulho persistente. Humanos devem desejar colocar sua fé somente em Cristo a partir do ouvir e aceitar a palavra anunciada de Deus sobre o assunto, o evangelho. Ele não satisfará o orgulho deles de outras maneiras. Se para responder positivamente, exigem sinais miraculosos para autenticar o anúncio, Deus não irá provê-los (1Co 1.22a). Se insistem em algo na linha daquilo que os gregos requeriam para ficar impressionados – isto é, ‘sabedoria’ na forma de argumentos convincentes elaborados para satisfazer mentes autossuficientes, revestidos de atraente linguagem que impressiona (1Co 1.22a) – Ele também não proverá isso. Tudo o que eles receberão é a simples declaração do evangelho através da proclamação do arauto designada por Deus, ‘Jesus Cristo e ele crucificado.’ Assim como Jesus frequentemente dizia, ‘Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.’” (p.124)
“Ao contrário, Deus escolheu fazer-se disponível através de um meio que deixa de lado todas as pretensões humanas e permitiu apenas a humilde aceitação de Cristo crucificado anunciado de forma simples – de modo que no final das contas fique claro que somente Deus era responsável pela salvação deles. Nenhum mortal poderia se gloriar.” (p.125)
“Pelos padrões do mundo, o evangelho de ‘Cristo crucificado’ é de fato uma mensagem extremamente louca. Mas é importante ver que esse conteúdo não é a única coisa que não é agradável aos olhos do mundo. Quando a audiência quer e espera ouvir argumentação persuasiva e eloquência formal do orador – na verdade, exige isso deles, pois esperam ficar impressionados – a simples entrega de uma mensagem declarativa será recebida como ridícula. Juntamente com o conteúdo, essa forma também parecerá desprezível e louca por comparação, tanto que até os insultará. Ela ofenderá o orgulho mundano e parecerá humilhante para eles, de maneira que a mensagem seja aceita simplesmente como foi anunciada, com base na pura autoridade de sua fonte.” (p.125)
“Ao ouvir a mensagem do arauto de Deus, a audiência é destronada de seu soberbo papel de juiz. De fato, longe de alimentar o orgulho dela, a audiência está sendo chamada para aceitar ‘a palavra da cruz’ simplesmente como ela foi proferida. Mas isso o orgulhoso não estará propenso a fazer. Se o conteúdo do evangelho, Cristo cruficicado, será considerado escândalo ou loucura para os padrões do mundo, assim também serão seus meros arautos (i.e., seu método!). Mas esse é exatamente o projeto de Deus. Agradou a Deus, disse Paulo, através da loucura tanto do conteúdo quanto da forma do anúncio salvar (tous pisteuontous) aqueles que simplesmente creem.” (p.126)
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Tirado de “Engolindo nosso orgulho: um tratado sobre a loucura da pregação” por Duane Litfin em Pregando a Palavra: Tratados em Pregação Expositiva: Em Honra de R. Kent. Hughes, editado por Leland Ryken e Todd Wilson, © 2007, pp. 116–126. Usado com permissão de Crossway, um ministério de publicações da Good News Publishers, Wheaton, IL 60187, www.crossway.org.