Doutrina da trindade: Não há cristianismo sem ela

Kevin DeYoung
Kevin DeYoung

Se alguma doutrina faz o Cristianismo cristão, certamente é a doutrina da Trindade. Os três grandes credos ecumênicos – o Credo Apostólico, o Credo Niceno, e o Credo de Atanásio – são todos estruturados em torno de nosso Deus três em um, ressaltando a importância essencial da teologia Trinitária. Agostinho, certa vez, comentou sobre a trindade, dizendo que “em nenhum outro assunto o erro é mais perigoso, a pesquisa mais trabalhosa, ou a descoberta da verdade mais valiosa”. Mais recentemente, Sinclair Ferguson refletiu sobre “o pensamento mais óbvio de que, quando seus discípulos estavam prestes a ter o mundo desabando sobre eles, nosso Senhor gastou bastante tempo no Cenáculo conversando com eles sobre o mistério da Trindade. Se alguma coisa pode ressaltar a necessidade do Trinitarianismo para a prática do cristianismo, certamente deve ser essa!”

No entanto, quando se trata da doutrina da Trindade, a maioria dos cristãos são pobres em seu entendimento, mais pobres em sua articulação, e mais pobres ainda em ver qualquer forma em que a doutrina importa na vida real. Certo teólogo disse, em tom de piada, que “A trindade é uma questão de cinco noções ou propriedades, quatro relações, três pessoas, duas procissões, uma substância ou natureza, e nenhum entendimento.” Toda a conversa de essência, e de pessoas, e co-isso e co-aquilo parece um blábláblá teológico reservado para filósofos e estudiosos – provavelmente para os nerds devoradores de livros, mas certamente não para mães, mecânicos e estudantes de ensino médio.

Então, em poucas centenas de palavras, vou tentar explicar o que a doutrina da Trindade significa, aonde é encontrada na Bíblia, e porque isso importa.

Primeiro, o que significa essa doutrina ? A Doutrina da Trindade pode ser resumida em sete declarações. (1) Há apenas um Deus. (2) O Pai é Deus. (3) O Filho é Deus. (4) O Espírito Santo é Deus. (5) O Pai não é o Filho. (6) O Filho não é o Espírito Santo. (7) O Espírito Santo não é o Pai. Todas as formulações de credos, de jargões teológicos e de apologética filosófica têm a ver com a salvaguarda de cada uma dessas declarações e fazê-lo sem negar nenhuma das outras seis. Quando os credos antigos empregam terminologias que vão além da Bíblia e demandam um cuidado quanto a nuance teológica, eles não o fazem para esclarecer o que a Bíblia não deixa claro, mas para defender, definir, e delimitar essenciais proposições bíblicas. O Credo de Atanásio coloca nesses termos: “Mas a fé universal é esta, que adoremos um único Deus em Trindade, e a Trindade em unidade. Não confundindo as pessoas, nem dividindo a substância. Porque a pessoa do Pai é uma, a do Filho é outra, e a do Espírito Santo outra. Mas no Pai, no Filho e no Espírito Santo há uma mesma divindade, igual em glória e co-eterna majestade.”

As duas palavras chave aqui são substância e pessoas. Quando você lê “essência”, pense em “Divindade”. Todas as três Pessoas da Trindade compartilham da mesma “Divindade”. Um não é mais Deus do que o outro. Nenhum é mais essencialmente divino do que os outros. Quando você lê pessoas, pense em “um indivíduo particular distinto dos demais”. Teólogos usam esses termos porque eles estão tentando encontrar uma forma de expressar o relacionamento de três seres que são igual e unicamente Deus, mas não três Deuses. Por isso nós usamos a complicada (mas compreensível) linguagem de essência e pessoas. Nós queremos ser fiéis ao testemunho bíblico de que há indivisibilidade e unidade em Deus, apesar do Pai, Filho, e Espírito poderem todos ser certamente chamados de Deus. As Pessoas não são três deuses; em vez disso, habitam em comunhão uns com os outros ao subsistirem na natureza divina sem serem compostas ou confundidas.

Às vezes é mais fácil entender o que acreditamos ao afirmar aquilo que não acreditamos.

  • Trinitanismo ortodoxo rejeita o monarquianismo, que acredita em apenas uma pessoa (mono) e sustenta que o Filho e o Espírito subsistem na divina essência como atributos impessoais e não pessoas distintas e divinas.
  • Trinitanismo ortodoxo rejeita o modalismo, que acredita que Pai, Filho, e Espírito Santo são diferentes nomes para o mesmo Deus atuando em diferentes funções e manifestações (como a bem intencionada, mas equivocada, analogia “água, vapor e gelo”).
  • Trinitanismo ortodoxo rejeita o Arianismo, que nega a plena divindade de Cristo.
  • E finalmente, o Trinitanismo ortodoxo rejeita todas as formas de tri-teísmo, que ensinam que os três membros da divindade são, para citar um líder apologista mórmon, “três seres distintos, três deuses em separado”.

Segundo, aonde é que encontramos a doutrina da trindade na Bíblia? Embora a palavra trindade seja notoriamente ausente nas Escrituras, a teologia por trás da palavra pode ser encontrada em um surpreendente número de versículos. Para começar, há versos que falam da unicidade de Deus (Dt. 6.4; Is. 44.6; 1 Tm. 1.17). Depois, há uma miríade de passagens que demonstram que Deus é Pai ( ex.: João 6.27, Tito1.4). A seguir, temos vários textos que provam a divindade de Jesus Cristo, o Filho – passagens como João 1 (“e o verbo era Deus”), João 5.58 (“antes de Abraão nascer, Eu Sou!”), Colossenses 2.9 (“porque nele habita corporalmente toda plenitude da divindade”), Hebreus 1.3 (“sendo ele o resplendor da sua glória e a expressa imagem do seu Ser”), Tito 2.13 (“nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus”) – para não mencionar a explícita adoração que, de forma condescendente, Cristo recebeu de seus discípulos (Lucas 24.52, João 20.28) e as acusações de blasfêmia levantadas contra ele por se fazer igual a Deus (Marcos 2.7). Então nós temos textos similares que assumem a divindade do Espírito Santo, chamando-o de “Espírito eterno” (Hebreus 9.14) e usando “Deus” de forma sinônima com o “Espírito Santo” (1 Co 3.16 e 1 Co. 6.19. At. 5.3-4) sem pensar duas vezes.

O formato da ortodoxia Trinitária é finalmente completo por textos que sugerem a pluralidade de pessoas na Divindade (Gn. 1.1-3,26; Sl. 2.7; Dn. 7), textos como 1 Co. 8.6 em que Jesus Cristo tem seu lugar no meio do Shemá judaico, e dezenas de textos que falam do Pai, Filho e Espírito Santo no meio do Shema Judaico, e dezenas de textos que falam do Pai, Filho e Espírito Santo na mesma expressão, equiparando os três em poder, mas assumindo distintas personalidades (Mt. 28.19; Gl. 4.6; 1 Co. 12.4-6; 1 Pe. 1.1-2; 2 Co. 2.21-22; 13.14; Ef. 1.13-14; 2.18, 20-22; 3.14-17; 4.4-6; 5.18-20; 6.10-18).

A doutrina da Trindade, conforme resumida nas sete declarações anteriores, não é uma invenção filosófica criada por excesso de zelo ou excesso de inteligência dos primeiros teólogos, mas um dos elementos centrais da ortodoxia que podem ser mostrados, explicita ou implicitamente, a partir de uma multidão de textos bíblicos.

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Terceiro, porque isso importa? Há muitas razões, mas partindo da obra de Robert Lethan, e de forma trinitária, deixe-me citar apenas três.

Um, a Trindade importa para a criação. Deus, ao contrario de deuses em outras antigas histórias da criação, não precisou ir além de si para criar o universo. Em vez disso, a Palavra e o Espírito eram como suas próprias mãos (para usar a famosa frase de Irineu) ao formar o cosmos. Deus criou falando (a Palavra) assim como o Espírito pairava sobre o caos. Criação, como regeneração, é um ato Trinitariano, com Deus trabalhando pela agência da Palavra falada e o misterioso movimento do Espírito Santo.

Dois, a Trindade importa para o evangelismo e para o engajamento cultural. Eu ouvi dizer que os dois principais rivais da cosmovisão Cristã atualmente são o Islamismo e o Pós-modernismo. O Islamismo enfatiza unidade – unidade de linguagem, cultura, e expressão – sem permitir uma grande variação de diversidade. O Pós-modernismo, por outro lado, enfatiza a diversidade – diversidade de opinião, crença e experiências – sem tentar ver as coisas de um único ponto de vista. O Cristianismo, com a sua compreensão de Deus como três em um, permite a diversidade e a unidade. Se Deus existe em três Pessoas distintas, as quais compartilham da mesma essência, então é possível acreditar que a criação de Deus pode apresentar impressionante variedade e individualidade enquanto se mantém coesa em uma genuína unidade.

Três, a trindade importa para os relacionamentos. Nós adoramos um Deus que está em um constante e eterno relacionamento com ele mesmo como Pai, Filho e Espírito Santo. Comunidade é uma palavra da moda na cultura americana, mas é apenas em um ambiente cristão que a comunhão e a interpessoalidade comunitária são vistas como expressões da eterna natureza de Deus. Da mesma forma, é apenas com um Deus Trino que o amor pode ser um eterno atributo de Deus. Sem a pluralidade de pessoas na Divindade, nós deveríamos ser forçados a acreditar que Deus criou os seres humanos apenas para que possa mostrar e conhecer o amor, assim fazendo do amor uma coisa criada (e de Deus uma divindade carente). Mas com um entendimento bíblico da trindade nós podemos dizer que Deus não cria com a finalidade de ser amado, mas cria a partir do fluir do amor perfeito que sempre existiu entre Pai, Filho, e Espírito Santo, que sempre viveram em um perfeito e mútuo relacionamento e deleite.

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Traduzido por Marianna Brandão | iPródigo.com | Original aqui