O primeiro suicídio que me comoveu foi de uma jovem linda e inteligente que começou a frequentar a igreja pastoreada por Wadislau. Converteu-se, e numa tarde de domingo, não acompanhou a família para almoço em restaurante – em vez disso, aproveitou o momento sozinha para disparar o revolver de seu pai contra o próprio coração. Semana passada li um comovente livro de Danielle Steel – não um bestseller como ela costuma produzir prodigamente há mais de trinta anos – mas o relato pessoal e verídico da vida de seu filho, Nick, e sua morte aos vinte anos de idade, depois uma luta acirrada contra uma doença mental. Hoje [10/04/2013], soubemos da morte do filho do líder evangélico, Rick Warren. Há alguns anos, meu sobrinho tirou a própria vida, deixando um filho bebê e uma viúva de vinte anos de idade. Minha cunhada jamais recuperou da dor daquela perda. Menos de um ano depois, outro parente se matou. Depois outra. Uma família muito querida que já sofrera o assassinato do esposo e pai sofreu ainda a tragédia de ver o filho e irmão tirar a própria vida. Outro casal que serve ao Senhor com integridade perdeu o filho na casa dos vinte anos, e, como grande parte dos suicídios, não sabe se a morte por overdose foi acidente ou proposital.
A OMS afirma que cerca de um milhão de suicidas – na maioria, jovens – morrem a cada ano. Na morte auto-afligida, ficam dúvidas e perguntas sem fim. Até “entendemos” quando o suicida tinha severos distúrbios mentais ou emocionais. Parece que alguns desses “meninos perdidos” eram afligidos desde bem novos, ainda que fossem criados por pais bondosos em situações familiares estáveis. Seria culpa da droga? Da família? Do sistema que os ignorou? Da igreja? Da soma de fatores que tornou a vida insuportável? E o suicida, está implacavelmente condenado?
Certa vez um pai, diante da constatação de sérios erros de uma filha, disse: “É a pior coisa que podia acontecer”. Outro pai, esse cujo filho tirou a própria vida, disse àquele: “Não, não é. Pior é o filho tirar a própria vida”. Ambos os pais estavam certos, pois o pior pesadelo é sempre ver os filhos fazendo escolhas irreversíveis e fatais, quaisquer que sejam.
Nem sempre o ambiente de origem (pais e outros) tem culpa no cartório. Quando o filho tem pais cristãos de caráter íntegro, e ele próprio desmonta a cada passo (como no caso na mídia internacional recente) não podemos lançar a culpa sobre a família. Um grande pregador e mestre relata (no livro Bom demais para ser verdade) o chocante caso verídico de seu colega de ministério que tirou a própria vida Ele responde à pergunta quanto à condenação eterna do suicida, com outra pergunta: “É possível matar uma vida eterna? Se foi salvo pela graça mediante a fé, sem obras de mérito, somente por Cristo, alguém poderá fazer qualquer coisa que anule a graça, o favor imerecido de Deus?”
Meus amigos Charles e Janet Morris escreveram sobre a vida atribulada e morte questionada de Jeff, com o nome Salvando uma vida, onde falam como Deus tratou de seus corações e curou muitos outros com a perda irreparável de seu filho. Embora existam muitas famílias cristãs onde é gritante a diferença entre o que se prega e o que se vive, não era o caso dos Morris.
O que fazer quando um jovem suicida? Primeiro, orar pelos que ficam; apoiar a família sem fazer juízo quanto aos motivos ou destino daquele que tirou a vida. Essa oração não pode ser apenas no velório ou enterro, formal ou de chavões. Deverá permear todos nossos atos em todo tempo – e acompanhar nossos irmãos até quando todo mundo pensa que “já se recuperaram” – sem julgamentos. A mesma Bíblia que diz “Não matarás” deixa implícito que aquele que odeia seu irmão já matou no coração – cada um e todos são passíveis de pecados semelhantes.
Além da oração e do apoio espiritual, os enlutados, muitas vezes, carecerão de apoio material em diversos aspectos. Alguns dos casos que relatei acima eram de pessoas que tinham todos os recursos financeiros possíveis, mas outros estavam empobrecidos por anos de tratamentos dispendiosos, constantes gastos inesperados e toda espécie de necessidades. Ao oferecer ombro amigo a quem teve perda irreparável, às vezes teremos de mostrar nossa fé na prática, abrindo mão de algum conforto ou luxo legítimo em nossa própria vida para compartilhar com o irmão que sofre. Poderá ser algo tão simples como uma assadeira de lasanha ou complicado como um almoço para dez parentes em uma churrascaria ou cuidar de sua criancinha por uma tarde ou um dia. Poderá ser um dia ou dois ajudando na faxina ou passando roupa da família que perdeu o filho ou até ajudando a organizar os pertences para doação daquele que se foi. São coisas pequenas e grandes que fazem diferença e declaram a alto e bom som: “Estamos aí para ajudar no que pudermos!”
Além de dar apoio prático e logístico, devemos exercitar o amor escutando a pessoa que perdeu alguém. Não é só falando – mas escutando o que ela diz e o que ela não fala – que a ajudaremos a lidar com a dor e o luto. Assim, ela estará apta a ouvir a Palavra de Deus no tempo certo.
Quando meu pai morreu (não por suicídio, mas câncer), um grupo de jovens cantou no sepultamento o que mais me consolou. Foi aquilo que Jesus leu do profeta Isaías, na sinagoga em Nazaré, no início de seu ministério na Galiléia:
O Espírito do Senhor está sobre mim,
pelo que me ungiu para evangelizar os pobres;
enviou-me para proclamar libertação aos cativos
e restauração da vista aos cegos,
para pôr em liberdade os oprimidos,
e apregoar o ano aceitável do Senhor.
É a missão de Jesus que temos de viver, evangelizando, proclamando libertação, restauração e apregoar o ano aceitável do Senhor. É Jesus que consola o inconsolável – e isso inclui os familiares e amigos dos que se cansaram da vida. Temos ainda de ficar atentos e oferecer alento àqueles que um dia contemplem a possibilidade, pois o suicídio não acontece apenas em famílias desestruturadas ou descrentes. Aos familiares do suicida, temos de oferecer o amor de Cristo como a qualquer irmão ou estranho que sofre a dor de perdas irreparáveis. Não é hora de fazer conjecturas ou juízos sobre coisas que nós desconhecemos. Um dia, na presença do Senhor da Vida, poderemos perguntar face a face alguns porquês, certos de obter resposta daquele que entregou sua própria vida em morte violenta, por amor de pecadores indignos como nós!
Postado originalmente no blog Coram Deo – Comentário