Insatisfação garantida: Sartre, Sísifo e Salomão

O ícone pop dono da maior e mais reconhecida proporção boca/rosto, Mick Jagger, resumiu a essência de Eclesiastes com a precisão característica da poesia duradoura: “I can’t get no [riff de guitarra] satisfaction”. E uma das mais elásticas e generosas rimas do repertório de Elvis Presley, “A little less conversation, a little more action / All this aggravation ain’t satisfaction in me.” Estou na metade de uma série de sermões na introspectiva e aparentemente cínica obra-prima de Salomão, e tenho me mantido resoluto na decisão de não cortar meus pulsos. Semana passada, alcancei o marco da metade – capítulo 6, de 12. Basicamente, nosso autor emo está murmurando sobre a vida, o universo e tudo mais, e sobre como nada dessa nossa existência banhada pelo Sol traz felicidade ou realização.

Tudo isso me traz memórias dos meus estudos de graduação sobre existencialismo. Se você perguntasse a Ernest Hemingway por que a galinha atravessou a rua, ele responderia rapidamente “Para morrer. Na chuva. Sozinha”. Então ele pegaria uma espingarda e apontaria para si mesmo. Se você perguntasse para Jean-Paul Sartre, ele ofereceria “A galinha está tentando escapar das companhia que a cercam, e o tentará ad nauseum até que se contente com o truísmo inevitável de que o inferno são as outras galinhas”. Então sairia correndo da lagosta gigante, na alucinação em que passou a maior parte de seus últimos e paranóicos anos antes de se matar também. Parece que o suicídio é comum entre os existencialistas, e não é difícil ver o porquê. Quem quer viver em um mundo sem propósito? Mas o existencialismo incipiente de Salomão não é o resultado de uma senilidade debilitante ou de pessimismo mórbido. Ele sabe onde está a felicidade, e que ela não está nessa vida.

Eclesiastes torna clara essa ideia: Deus (o Criador) deixa um rastro de “migalhas” (sua criação) para nos guiar à alegria que só pode ser encontrada nele. Nós passamos nossas vidas frustrados porque as migalhas não nos satisfazem, porque não entendemos o propósito; elas estão nos levando para o banquete da satisfação somente em Deus. Eu sei que isso soa à là Piper, “Somos mais satisfeitos em Deus quando ele é mais glorificado em nós”. Mas Piper não esconde que se achou essa pérola em Jonathan Edwards, que a adquiriu do Apóstolo Paulo, que aparentemente a recuperou dos bolsos de Salomão. Ela parece ter passado pelas mãos de Agostinho, em certo ponto: “Formaste-nos para ti, Senhor, e nosso coração não terá sossego enquanto não encontrar descanso em ti”.  Hoje em dia, qualquer pastor de jovens fala aquela coisa do vazio do tamanho de Deus em nossos corações e nós achamos que é a última novidade. Mas pense nisso. Somente os cristãos conseguem ter acesso à essa ideia, pela fé. Se você não crê em Deus, você não tem acesso ao banquete, só à trilha de migalhas. Os não crentes bebem da água salgada, mas sua sede não é saciada.

Nós nunca devemos subestimar o poder desse livro de sabedoria em nosso evangelismo. O Senhor usou Eclesiastes para salvar minha vida. Quando estava estudando filosofia na faculdade, eu não era crente em Cristo ainda. Eu bebia da fonte da filosofia secular para a nutrição do meu intelecto. E isso não acabou bem para mim. Eu nunca me tornei suicida, mas não tenho certeza do porquê de isso não ter acontecido. Nesse sentido, eu estava refletindo as lutas de Albert Camus. Em toda sua carreira, Camus lutou para achar uma razão para não cometer o suicídio. Ele escreveu o seminal artigo “O Mito de Sísifo”, destacando a futilidade da vida, concluindo que “há apenas um problema filosófico verdadeiramente sério, e esse é o suicídio”. Dar cabo da própria vida era a única saída para a tarefa Sisifica da vida, para ele. Se um homem entende que sua vida não faz sentido, ele pode continuar empurrando a pedra para o topo do monte sabendo que, ao fim do dia, ela vai rolar para baixo novamente, ou ele pode matar a si mesmo e acabar com o sofrimento. Esse era o caminho que trilhavam os existencialistas. Se um restaurante só tem Coca-cola ou Sprite, você pode escolher tomar um dos dois, ou se matar. Pelo menos esse controle você tem. Ironicamente, Camus morreu jovem, em um acidente de carro, antes de decidir se iria se matar.

Eu não gostava dessa filosofia, mas não via como poderia discordar dela, já que tantas pessoas inteligentes acreditavam nela. Ignorar parecia ingenuidade, mas refutar estava além do alcance do meu QI.

Então eu perguntei ao meu professor se alguém havia refutado essa filosofia. Ele me disse para ponderar sobre uma frase de Herbert Marcuse, que aparentemente havia desconstruído o existencialismo com essas palavras: “[O existencialismo] hipostatiza condições específicas e históricas da existência humana em características ontológicas e metafísicas”. Eu não inventei isso. Se eu conseguisse ao menos entender essa frase, eu poderia deixar o existencialismo para trás e continuar com a minha vida. Marcuse foi um cara inteligente o suficiente para derrubar minha pose intelectual, mas inteligente demais para que eu pudesse entendê-lo, o que é mais um tipo diferente de depressão. Mas então eu encontrei o Salomão de Eclesiastes.

A igreja que eu vinha visitando estava pregando sobre Eclesiastes. Eu fiquei surpreso por descobrir que a mesma filosofia que estava sendo ensinada na minha classe universitária de ponta havia sido publicada 5 mil anos antes. Mas com uma única e MASSIVA diferença. O autor ofereceu uma solução compreensível. Não é óbvia, Salomão exige de você algum trabalho para entendê-la, mas quando você consegue, tudo se encaixa e a vida, de repente, faz sentido, tem propósito e direção definidas.

Resumidamente, Eclesiastes salvou minha vida.

Eu recomendo fortemente o estudo desse livro. Mas esteja preparado. Salomão, o autor filosófico, vai puxar de seu cachimbo teológico e soprar a fumaça na sua cara. Essa brisa sufocante virá na forma do pessimismo (Capítulo 1), hedonismo (2), fatalismo, niilismo, absurdismo e existencialismo (capítulos 3 e 4), agnosticismo (6) e outros –ismos que já deveriam ter passado.

Aqui estão algumas gotas da toxina tóxica que te aguardam…

Niilismo: O destino do homem é o mesmo do animal; o mesmo destino os aguarda. Assim como morre um, também morre o outro. Todos têm o mesmo fôlego de vida o homem não tem vantagem alguma sobre o animal. Nada faz sentido! Todos vão para o mesmo lugar; vieram todos do pó, e ao pó todos retornarão. (Ec 3.19-20)

Não há sentido em nada, todos nós morreremos.

Fatalismo: O que é torto não pode ser endireitado; o que está faltando não pode ser contado. (Ec 1.15)

Não podemos mudar nada sobre nada.

Existencialismo: Concluí que o rir é loucura, e a alegria de nada vale. (Ec 2.2)

Ou seja, não significado real em nada que fazemos, e mesmo o que nos alegra, nos alegra por negar a realidade e pela loucura.

Hedonismo: Para o homem não existe nada melhor do que comer, beber e encontrar prazer em seu trabalho. E vi que isso também vem da mão de Deus. (Ec 2.24)

Já que nada faz sentido, vamos, pelo menos, aproveitar nossa curta vida. Não me venha com filosofia, me passe a lata de cerveja e o cigarro. Isso não soa muito cristão. Mas, a não ser que você rasgue algumas páginas da sua bíblia, no caminho até o picotador de papel, considere a rica teologia e o otimismo esperançoso dessas páginas aqui:

A sabedoria é melhor que a insensatez, assim como a luz é melhor do que as trevas” (Ec 2.13)

Sem Deus não há prazer (Ec 2.25)

Tudo que Deus faz permanece para sempre (Ec 3.14)

Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: Tema a Deus e obedeça aos seus mandamentos, porque isso é o essencial para o homem. Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido, seja bom, seja mau” (Ec 12.13-14)

A vida debaixo do Sol é algo depressivo. Mas a vida no Filho de Deus, Jesus, traz esperança e alegria profunda e eterna.

Salomão é o rígido mestre que ensinará essa lição para que possamos aplicá-la em nossa caminhada cristã. Ele te emancipa do cinismo. Ao fim do livro, você estará convencido que a vida em um mundo caído não vale a pena ser vivida sem um relacionamento com Jesus Cristo, que traz significado à vida, prazer ao descanso, realização ao trabalho e significado aos nossos legados. Essa é uma verdade que liberta.

A vida debaixo do Sol é algo depressivo. Mas a vida no Filho de Deus, Jesus, traz esperança e alegria profunda e eterna.