Paternidade: olhando na direção correta

Choro, desespero e ponta afiada

Diferente de um casamento, que começa com uma linda cerimônia, seguida de uma festa divertida e depois a tão sonhada lua de mel, a paternidade começa com adrenalina a mil: a depender do parto sua esposa ou estará gritando de dor ou sangue estará espirrando para todos os lados. Diferentes emoções transbordam (alegria, preocupação e ansiedade) e logo vem o choro do bebê. Ah, o choro do bebê… Um prenuncio daquilo que há de vir.

Os primeiros dias em casa são os mais difíceis. Aquela neném que nem chorava no hospital quando eu trocava sua fralda e que na hora do banho apenas soltou alguns murmúrios, em casa a história é outra. Berros e berros a cada vez que a roupa começava a ser tirada, seja para trocar a fralda, seja para o banho (no caso do banho o escândalo durava um pouco mais de tempo). No nosso caso ainda foi pior: dois dias seguidos de cólicas que não deixavam ela dormir durante toda a noite, e nós, pais de primeira viagem, sem a mínima ideia do que fazer.

Foi desesperador. Eu me sentia impotente diante de tanto choro. Quando colocava a minha filha no colo, tinha a impressão de que ela estava detestando aquilo tudo. A partir daí, comecei a achar que era pessoal e que a minha filha me odiava. Foram dias terríveis, eu estava exausto, não conseguia dormir mais do que trinta minutos seguidos. O sono (e a falta dele) de fato mexe com a sua cabeça. Sentimentos começaram a aparecer. Comecei a me questionar se tínhamos escolhido a melhor hora para termos um bebê e estava concluindo que minha linhagem terminaria naquela primeira filha… Logo eu, que sempre dizia que a meta eram quatro e, quem sabe, dobrar a meta. No fundo, medo, dúvidas e até arrependimento me assolavam.

Li diversos textos sobre experiências de mães e pais e vi que isso era, de certa forma, comum. Muitos pais enlouquecem nos primeiros dias ou meses após o nascimento. Mas por que isso? Por que sentimentos estranhos aparecem nessa hora? Por que tudo isso brota nos primeiros dias em que seu filho chega?

Parte disso é porque filhos, muito provavelmente, trazem as mudanças mais drásticas da sua vida. Os filhos já chegam te dando “trabalho”. Primeiro que bebês nunca nascem como imaginamos. Nos primeiros meses ele não sorri pra você, não se parece com você, talvez não tenha a cor de cabelo ou olhos que você sonhou, e não demonstra afeto, apenas só reflexos. Tudo se limita a dormir, mamar, sujar as fraldas… E é muito choro no meio de tudo. A relação com seu filho está longe de ser hollywoodiana, você não explode de paixão assim que o vê; isso vai crescendo com o tempo. E isso tudo é apenas parte problema.

O segundo problema, e mais perigoso, é que nosso coração é corrupto (Jeremias 17.9). Muitas vezes cultivamos certos ídolos que são abalados com a chegada de um pequenino. Sono, conforto e lazer são chacoalhados e tirados de você. Você não dorme mais quando quer, não vai mais aos lugares que quer e na hora que quer, e não faz um bocado de coisas que gostaria de fazer. Seu relacionamento com a esposa muda nos primeiros dias. Sua esposa, que tinha toda atenção direcionada para você, agora está voltada para o neném (sem contar o resguardo e a quarentena).

Tudo isso são mudanças que mexem com a gente. E qual a solução? Na maioria dos relatos que li, todos falavam do amor que cresce quando o bebê começa a sorrir, a interagir com você e, de fato, a te reconhecer como pai/mãe. Sim, essa fase deve ser ótima, mas você não precisa esperar até lá.

Eu simplesmente tive que relembrar aquilo que já sabia, pelo menos na teoria. Meses atrás, no chá de fraldas que minha esposa organizou, fiz uma breve reflexão no Salmo 127, e era disso que eu precisava me lembrar: filhos são benção do Senhor. Não só quando tudo começa a ficar sorridente, mas desde o início da gestação. Filhos são a herança nesta terra que o Senhor separou para você. Isso é incrível. Um exemplo que usei naquele dia foi do velocista Usain Bolt. O homem mais rápido do mundo tem que suar muito e ralar muito para chegar onde chegou. Nesse tempo, fadiga muscular, exaustão e muitas bolhas no pé devem aparecer, mas tudo isso é satisfeito quando ele coloca o ouro em volta do seu pescoço.

É isso! Minha filha é o meu ouro. Minha recompensa. A flecha que faltava para eu ser de fato um arqueiro. O esforço que preciso fazer para cuidar dela não diminui o fato de que ela é a herança que o Senhor me deu. Isso muda tudo.

A Palavra do Senhor não somente molda nossos corações mas nos faz enxergar o mundo da forma correta. Nos faz repensar sobre tudo que acontece nessa vida debaixo do sol. Como eu disse, talvez seja inevitável que sentimentos estranhos apareçam, mas o mais importante é o que você faz depois em relação a eles. Ou você corre para as Escrituras e tenta viver essa vida por fé e não por vista, ou você apenas dá espaço para que seus ídolos tomem conta do seu coração. E é por isso que há muitos pais e mães abandonando seus filhos: eles não os enxergam com os óculos certos.

Minha filha hoje tem apenas 15 dias de nascida. Ainda é bem cansativo, e continuo dormindo pouco, mas relembrar o Salmo 127, embora não diminua o trabalho, me fez vê-la com outros olhos, me fez amá-la mais, ser mais cuidadoso, mais paciente, não só com ela, mas com minha esposa, que além de tudo isso tem seus hormônios alterados. Da mesma forma, também com a minha mãe, que um dia passou por tudo isso comigo (interessante que, como se não bastasse estar gravada nas tábuas da lei, a honra aos pais ainda é uma forma de gratidão, mas isso é assunto para outro dia). O esforço em cuidar da minha filha me lembrou e ressaltou a alegria que tenho de um dia ter retribuído esses mesmos cuidados com o meu pai quando, por causa de um câncer, precisou que os filhos fizessem o mesmo por ele. Hoje eu olho para minha princesinha e sei que ela é minha herança, minha recompensa, e isso faz com que a cada dia eu fique mais apaixonado por ela, e mais ainda pela mãe dela.

Como disse meu pastor: “é canseira; afiar a flecha não é brincadeira”. É verdade. É cansativo, e de vez em quando você escorrega e corta um dedo. Ah, mas como é bom ter flechas afiadas: “feliz o homem que enche deles a sua aljava”.