Chegando as festas juninas, alguns pais protestantes se ouriçam. É culto de santo! – dizem. Os filhos, desconhecendo a razão, continuarão a protestar contra a atividade festeira. Nem adiantará argumentar que é folclore. Uns seriam, até mesmo, capazes de responder: Que folclore que nada. Nunca vi festa de saci-pererê… Até aí, tudo bem; dá gosto de ver! Entretanto, param aí. No restante, acomodam-se como mingau de aveia no prato. Pouca coisa mais incomoda, nem mesmo outras caminhadas sem destino.
Os três termos – procissão, marcha e parada – descrevem gente em desfile. A diferença está na cara dos cultores. Uns trazem cara comprida, escorrida como de mamão macho ou de amendoim em casca, e vão devagar com o andor porque o santo é de barro; outros vêm de caras limpas, alegres, canoros, misturando bandeiras de verdades e falsidades que ninguém pode saber se portam; e outros, ainda, ruidosos, reivindicativos, exibem a cara pintada e a alma pelada.
A coisa em si teria algum mérito, não fosse uma motivação errada. Os que lembram a história da cruz, em procissão, deveriam saber o sofrimento – não o dó piegas que infama a Cristo, mas as dores do nosso próprio pecado que o levou ao sacrifício –, pois, de outra maneira, apenas exibirão ao mundo a crença de que ainda estão sob a ira de Deus. Os que conhecem o Senhor pessoalmente deveriam marchar “de modo digno da vocação”, isto é, com verdade praticada em cada passo da vida, para mostrar que estão salvos da ira. Os que não conhecem o Senhor porque rejeitam o conhecimento de Deus, deveriam entender que a parada do “curso deste mundo” (Ef 2.1a-2) apenas publica uma ira pecaminosa contra a ira justa de Deus (Rm 1.18-32).
Com o perdão da expressão, préstito é coisa mais antiga do que andar pra frente. Em Israel antigo, a procissão era uma prática bem conhecida: Lembro-me destas coisas – e dentro de mim se me derrama a alma –, de como passava eu com a multidão de povo e os guiava em procissão à Casa de Deus, entre gritos de alegria e louvor, multidão em festa (Sl 42.4; ver Ne 12.32; ver também Mt 11.7-10). A marcha, também, tinha razão de ser: …segundo o mandado do Senhor, se punham em marcha; cumpriam o seu dever para com o Senhor (Nm 9.23; cf. Js 6.1-21). Quanto à parada reivindicativa contra a palavra de Deus, diz Êxodo 23.2: Não seguirás a multidão para fazeres mal; nem deporás, numa demanda, inclinando-te para a maioria, para torcer o direito (cf. Mt 26.47).
Contudo, a parada do cristão é algo mais lúcido, maior e mais belo, do qual as procissões e marchas do Israel antigo são apenas sombras para a presente realidade: …comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo (Cl 2.16-17). Para os verdadeiros adoradores, a procissão é a vida da igreja e seus andores são as vidas dos seus membros, em que somente, invisível, está o único trino Deus. Sua marcha espiritual não é movida para conquistar reinos, senão aquele para o qual fomos conquistados (Fp 3.12), nem milita contra carne e sangue (Ef 6.12). De fato, somos espetáculo para o mundo (1Co 4.9), tanto de opróbrio quanto de tribulação (Hb 10.33) para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares celestiais (Ef 3.10).
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Quer procissão? Parada alegre? Marcha vitoriosa? Veja a receita do Salmo 15, de Davi:
1. Davi e o povo iam à Casa do Senhor:
– Quem, Senhor, habitará no teu tabernáculo? Quem há de morar no teu santo monte?
2. A proposta era uma de caráter e de andança em toda uma vida:
– O que vive com integridade, e pratica a justiça, e, de coração, fala a verdade;
– o que não difama com sua língua, não faz mal ao próximo, nem lança injúria contra o seu vizinho…
3. A caminhada da vida é feita retamente e com discernimento:
– o que, a seus olhos, tem por desprezível ao réprobo, mas honra aos que temem ao Senhor;
– o que jura com dano próprio e não se retrata;
– o que não empresta o seu dinheiro com usura, nem aceita suborno contra o inocente.
Quem deste modo procede não será jamais abalado.
Agradecemos ao Rev. Wadislau por ceder os textos de seu excelente blog – Coram Deo